:: Bunraku O Bunraku é um teatro de bonecos
que se tornou popular nos séculos passados. Um gênero
tipicamente japonês na
paciência e dedicação. O Velho Gepeto construiu um
boneco de pau que recebeu vida após um milagre outorgado
à fada madrinha. Um
toque apenas da varinha de condão, e o boneco começou a
falar e ensaiar os
primeiros passos. Mas o corpo continuava sendo de madeira. Assim
inicia-se a
história de Pinóquio. Dar vida a um boneco de pau
é uma tentativa que remonta
há vários séculos. Sempre o homem, de alguma
forma, impõe sua personalidade (ou
várias delas) na arte de representação. Quando a
poesia era ainda a poema de
expressão e interação com as forças da
natureza, o homem era indissociável do
cosmos. O homem representava e o boneco também, confundiam-se. No
Japão, surgiu o
Bunraku, o teatro de marionetes, no século XVI, para entreter o
povo de Osaka,
cidade notadamente comercial. O Bunraku desenvolveu-se de tal maneira,
especializando-se, que o teatrólogo francês Jean-Louis
Barrault disse: “Estes
boneco são deuses encarnados”. De fato, não há
exagero na opinião de Barrault.
O Bunraku é uma arte que supera as mais diversas formas de
expressão. Inexistem
fios que os prenda ao teto. Os movimentos são executados por
três titereiros (kugutsushi)
vestidos com uma roupa apropriada e ficando às costas do boneco. Cada um
dos
titereiros tem uma função específica na
expressão corporal do boneco. Os seus
membros são a cabeça, a caixa torácica, o tronco,
os braços e as pernas. Assim,
o “titereiro-chefe” (Omo-zukai), usando tamancos altos, insere a
mão esquerda
na abertura que fica às costas do boneco, segurando uma haste
que liga à
cabeça. Muitas vezes o tamanho de um boneco equivale ao tamanho
de uma criança.
O “titereiro-chefe” terá que suportar braço esquerdo todo
esse peso, ao mesmo
tempo que responde pelos movimentos da cabeça e pela
expressão facial do
boneco. Utilizando os dedos da mão esquerda, irá fechar e
abrir os olhos,
movimentar as sobrancelhas e os lábios. Com o braço e a
mão direita, o
titereiro movimenta o braço direito do boneco. Para manter o
boneco numa
postura correta exige curvar-se, sendo tal posição
extremamente desconfortável.
O maior problema enfrentado pelo “titereiro-chefe” é o
cansaço físico. Um dos
auxiliares é
o “titereiro-da-esquerda” (hidari-zukai) que manipula o braço
esquerdo do
boneco com a sua mão direita. Terá que manter o corpo o
mais próximo possível
do “titereiro-chefe”. No caso de um boneco homem, o terá
também que ajudar a
suportar o peso usando para isso seu braço esquerdo e segurando
com as mãos as
ancas do boneco. O “titereiro-da-esquerda” responde por carregar o
boneco até o
palco, assim como trazer os tamancos grandes de seu chefe. Por fim,
há o
“titereiro-das-pernas” (ashi-zukai), que se mantém o tempo todo
com as pernas
dobradas, em posição inferior. As suas mãos
movimentam as pernas do boneco no
caso de ser um boneco homem. Em se tratando do boneco mulher, este usa
um longo
kimono cobrindo as pernas. O titereiro enfia ambas a mão por
baixo do costume
fazendo os movimentos das pernas – andando, correndo, sentando,
ajoelhando e
ficando de cócoras. É a pior posição de um
titereiro de Bunraku. Reza a
tradição que no início o titereiro se torna “as
pernas” por dez anos, em
seguida o lado “esquerdo” por mais dez anos e finalmente chefe por
outros dez
anos, totalizando 30 anos para ser um profissional completo. Os
titereiros usam
uma roupa especial, preta e com um véu que cobre o rosto. Dessa
forma elas
podem entrar em sem ser percebidos, confundindo-se com o fundo escuro
do palco.
Há também ocasiões em que o “titereiro-chefe” usa
um kimono colorido sem se
preocupar em ocultar-se. Poucas peças permitem que os titereiros
apareçam com o
rosto descoberto. O
espírito do boneco A parte
mais
importante de um boneco é a cabeça onde transparece a
personalidade do
representado. Existem aproximadamente 70 tipos diferentes de
cabeças. Os
bonecos Bunraku são classificados em seis tipos distintos:
homem, jovem,
mulher, criança, caráter cômico e extra. Cada um
desses tipos conta com uma
infinidade de variações. No rosto, há uma
série de mecanismos articulados
capazes de modificar a fisionomia do personagem, mostrando alegria,
tristeza,
ira e desilusão. Existe uma cabeça transformista, a de Gabu,
uma mulher
bela que se torna demônio com seus olhos esbugalhados, boca
escancarada
mostrando dentes felinos, e na cabeça, dois chifres
proeminentes. Outra cabeça
igualmente peculiar é a Nashi-wari, usada durante a luta
entre
guerreiros. A face, ao ser cortada, simplesmente despenca do rosto. Utiliza-se
madeira
de pau-Iownia para a confecção das cabeças. O
pescoço é feito separadamente e
fixado com cola. Os olhos possuem movimentos em todos os sentidos,
à semelhança
do olho humano. Até mesmo as sobrancelhas movimentam-se para
baixo e para cima,
mudando o temperamento do personagem. Uma particularidade: as
cabeças de
mulheres casadas não possuem sobrancelhas como contam as
crônicas medievais.
Era um sinal de lealdade ao marido. Mas, outros casos, a sobrancelha
aparece em
quatro personalidades distintas. Na primeira delas, a sobrancelha
é feita de
cabelo e colocada numa fina placa de metal com formato de sobrancelha,
usada
para caracterizar o semblante do guerreiro. O segundo tipo é
confeccionado de
gesso pintado com tinta chinesa para dar lustre, usado nas
representações de
jovens. Os outros dois seguintes aparecem nos rostos de mulheres. Num
deles,
usa-se como matéria-prima uma faixa de tecido preto cortado na
forma de uma
sobrancelha. Há também o caso da sobrancelha pintada no
rosto do boneco. Ambos
os casos servem para representar uma mulher solteira ou uma menina. O
penteado é outro
ponto de identificação de um boneco Bunraku. O cabelo
é natural requerendo
penteá-lo a cada apresentação. Existem mais de 50
tipos de cabelos, cada um com
o respectivo nome. Esta quantidade está ligada à
condição social dos
personagens. Um pouco
de história
O
Bunraku, que pode
ser chamado também de Teatro de Bonecos Joruri, é o
encontro de diversos tipos
de arte de representação.Em suma, pode-se dizer que o
Bunraku funciona
simultaneamente com a aglutinação de três
manifestações artísticas: boneco,
declamação e instrumental. A declamação
é o Joruri, influenciado enormemente
pela evolução vocal do teatro Nô. O Joruri foi uma
arte praticada
independentemente o Bunraku, consistindo em declamar trechos
clássicos da
literatura japonesa. A tradição pela narrativa remonta as
“Crônicas de Ise”, as
“Crônicas de Heiki” e o “Apogeu e a Queda dos Clãs Genji e
Heiki”. Tais
narrativas eram declamadas dramaticamente por um contador de
histórias ao som
de um biwa (instrumento de corda). A
peça mais popular
dessas narrativas tem por nome “As Crônicas da Princesa Joruri”.
É um romance
entre o filho primogênito do Clã Genji, Ushikawa (que mais
tarde se tornou o
general Yoshitsune), de 14 anos e a princesa Joruri, de 13 anos, a
filha mais
velha da família Yahagi in Mikawa. A obra literária tem
12 capítulos e, por
essa razão, conhecida “Doze cenas do Livro de História
Joruri”. No século XV, a
arte da narrativa passou a se chamar simplesmente Joruri. Nessa
época, o
narrador Ishimura viajou para as ilhas de Ryukyu (atual Okinawa),
trazendo de
lá um instrumento parecido com um banjo e coberto com pele de
cobra. Os nativos
chamavam de “jamisen”. Ishimura remodelou o instrumento, substituindo a
pele de
cobra por coro de gato e mudando o nome para shamisen. A partir
de
então, o shamisen substituiu o antigo biwa. No século
XVI, o Bunraku era um
teatro bastante popular, atraindo uma infinidade de curiosos que
dirigiam-se
até Osaka para assistir as exibições. O
regionalismo do
Bunraku era tão forte que a pronuncia e os maneirismos de Osaka
mantiveram-se
na narrativa. Porém o Bunraku não se restringiu
unicamente a Osaka; a sua
vizinha, Kyoto, logo tornou-se a morada de Toraya Gen-dayu,
discípulo de
Satsuma Joun (mestre de Bunraku). O público de Osaka era
diferente de Kyoto e
isso se repercutiu na diferenciação do Bunraku de ambas.
Nascia, então, uma
rivalidade entre elas. Kyoto gabava-se por ter sido a antiga capital,
onde
viviam os aristocratas que tinham gosto pela arte requintada do teatro
Nô.
Osaka, por outro lado, era uma cidade florescente e comercial onde
concentravam-se a burguesia (chonin) sequiosa por enriquecer-se.Esta
mesma
burguesia sem títulos tornava-se mecenas da arte metropolitana. O mestre
Takemoto
Gidayu foi um dos grandes responsáveis pela
popularização do Bunraku num estilo
que se opunha à elegância da arte de Kyoto. Gidayu
desejava levar o teatro ao
povo, cujo ideal se consolidou com a inauguração, em
1684, do teatro Takemoto-za
no bairro de Dotombori, em Osaka. Outra causa do sucesso de Gidayu foi
a de ele
ter utilizado peças de autoria de Chikamatsu Monzaemon,
contemporâneo dele,
considerado por muitos como o maior prosador japonês. Teatros
de Bunraku
foram construídos entre o final do século XVIII e
início de XIX. Estas
construções, na maior parte, acabaram incendiando-se por
serem feitas de
madeira. No começo do século passado, o Bunraku foi
requisitado junto à
Shochiku Entertainment Company, que explorou comercialmente a arte;
porém,
muitos dos bonecos queimaram-se após os incessantes bombardeios
aéreos em 1945. Mas a
Shichiku
insistia no Bunraku. Em 1946, inaugurava-se o teatro Bunraku-za, que no
ano
seguinte recebia a visita do imperador Hiroshito. Com a morte de Shirai
Shijiro,
produtor de Shochiku, o velho teatro foi abandonado devido a má
localização.
Mas, em 1956, ocupavam as modernas instalações do
Dotombori Bunraku-za. Uma
nova era do Bunraku iniciava-se. Peças
adaptadas
foram incluídas no repertório como “Hamlet”, “Madame
Butterfly” e “Camile”. Na
época Shochiku havia grupos que achavam que deveria abandonar
definitivamente o
Bunraku, optando por outras formas de expressão. Por algum
tempo, o Bunraku
ficou desassistido até a intervenção do governo e
entidades comerciais como a
NHK que reorganizaram a arte fundando a Associação
Bunraku. Por pouco
os bonecos
Bunraku seriam transformados em peças de museu, numa sociedade
que já existem
robôs inteligentes, precisos e virtuosos. No entanto, eles
não possuem um
coração humano. No Bunraku a emanação
é humana. Uma arte que atravessa uma
crise, mas está longe de desaparecer. Autor:
Francisco Handa – doutor
em história
pela UNESP, desenvolve pesquisa sobre cultura tradicional japonesa.
É monge da
escola Soto Zenshu. AO
USAR INFORMAÇÕES DESTE SITE, NÃO DEIXE DE
MENCIONAR A FONTE www.culturajaponesa.com.br
– autor: Francisco Handa. LEMBRE-SE: AS
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