:: Fábio Yasuda
P: O Ministério da Agricultura seria perfeito para o seu currículo. Porque o presidente Médici o escolheu para o da Indústria e Comércio? Fábio
Yassuda: Eu estava num hotel do Rio, quando um coronel do
Exército veio me buscar dizendo que o assunto era sigiloso mas
que iria me levar ao Galeão. Naquela fase da ditadura, o
aeroporto do Galeão simbolizava o local de prisão dos
ativistas de esquerda. O coronel me tranqüilizou lembrando que no
Galeão também aconteciam decisões políticas
nacionais. De fato, apesar de Brasília existir há uma
década, muitos ministérios e órgãos do
governo federal continuavam no Rio, e no Galeão ficava a
residência oficial do ministro da aeronáutica, que
é onde os presidentes se hospedavam quando estavam no Rio.
Felizmente, fui levado para essa residência. O presidente
Emílio Garrastazu Médici, eleito pelo Congresso Nacional
na véspera, veio me receber e depois apresentou me a dez
coronéis presentes. Entretanto, a conversa foi reservada,
só eu e o presidente. Perguntei-lhe qual era o seu programa de governo para a agricultura. Tendo sido eleito na véspera, Médici não tinha nada preparado, mas disse que como general-de-exército conhecia todo o País: "60 ou 70% dos brasileiros dependem do meio rural, então, se o ministério da agricultura resolver isso, estamos bem", explicou. A prioridade era o café, açúcar, cacau, cereais e problemas políticos. Eu recusei o convite, alegando que eu não poderia resolver esses problemas, uma vez que o Ministério da Agricultura não tem essa competência. "Por exemplo, o café é controlado pelo IBC, e o açúcar pelo Instituto do Açúcar e do Álcool, órgãos que pertencem ao Ministério da Indústria e Comércio. O financiamento da agricultura depende do Ministério da Fazenda, e os problemas políticos rurais mais graves são os bóias frias, que estão na competência do Ministério do Trabalho. Médici então inverteu a pergunta e quis saber qual seria meu programa de governo. Eu disse que era preciso pensar no meio rural de maneira bem abrangente, sem se limitar a um ministério. Expliquei que as doenças e a educação rural estavam na área dos ministérios da Saúde e da Educação, enquanto que temos regiões férteis no Brasil sem meios de transporte, então seria necessário acionar o Ministério dos Transportes. Enfim, todas as pastas tinham um pouco de agricultura.Médici disse que o Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores) não tinha.E eu expliquei que como dirigente de uma cooperativa agrícola não visitava o ministério da agricultura, mais ia com freqüência ao Itamaraty. O motivo? São os acordos internacionais de comércio exterior, que afetam as importações de sementes e exportação de produtos, que dependem desse ministério. Por fim, o presidente falou que o Ministério do Exército não tinha nada de agricultura. Eu o contrariei explicando que o Exército convoca recrutas no meio rural de forma aleatória, mas que na minha opinião deveriam ser convocados somente os analfabetos, pois com a progressiva mecanização agrícola, essas pessoas ficarão em pouco tempo marginalizadas do trabalho. Já no exército, aprenderiam a educação cívica e a alfabetização, fazendo talvez a manutenção de um tanque, conhecimento que poderia ser aproveitado fora do quartel para a manutenção de um trator. Se cada ministério fizesse a sua parte, o da Agricultura não precisaria fazer nada. Na época, 80% das indústrias do Brasil estavam ligadas à agricultura, como fertilizantes, máquinas e alimentos. Assim, após sair da sala para conversar com os dez coronéis, Médici retornou oferecendo o Ministério da Indústria e Comércio. P: O senhor ficou apenas quatro meses no cargo. Yassuda: Fui contra muitas coisas que aconteciam. Por exemplo, fui sempre a favor da privatização, entendendo que empresas como a Petrobras e a Volta Redonda, não poderiam sofrer tanta troca de dirigentes, o que acontecia a cada novo presidente da república. Outro problema é que os presidentes eram sempre generais, e você sabe como é, quem fica a vida toda dentro do quartel só conhece outro militar, e aí as pessoas de confiança são sempre do mesmo grupo. Na verdade, tentei fazer muitas coisas mas vi que era impossível realizá-Ias. Havia também interesses contrariados de grandes grupos, como o das seguradoras estrangeiras. Fizeram campanhas difamadoras contra minha pessoa, mas de forma inteligente, nunca criticando abertamente a questão. Veja, a prefeita Marta Suplicy pode estar fazendo vários trabalhos bons, e pode estar contrariando interesses, mas ela vira matéria de capa quando decide passar as férias com o namorado em Paris. É mais ou menos isso. Faziam matérias falando dos problemas da indústria, e ao mesmo tempo destacavam a minha participação em festas. Chegavam também cartas anônimas ao presidente criticando o meu trabalho. O salário de ministro também não era atraente, tanto é que o meu secretário na Cooperativa tinha salário melhor. P: Quando assumiu o Ministério, o senhor se desligou da Cooperativa onde era o Superintendente. Porquê? Yassuda: Eu já acumulava cargos externos à Cooperativa, como o de presidente da Confederação Nacional da Agricultura, e eu sabia que não daria para administrar uma empresa daquele porte ocupando um cargo público desse tipo. Recebia muitas propostas para ocupar secretarias de Estado, empresas e bancos, mas sempre recusei. Só resolvi aceitar depois de decidir sair da Cooperativa. Antes de ser ministro, fui secretário do Abastecimento do município. P: Voltando à pergunta anterior, por que o senhor deixou a Cooperativa, que afinal era uma empresa em grande expansão? Eu sempre
gostei muito da Cooperativa. Comecei como agricultor em Pindamonhangaba
e estudei agronomia em Piracicaba. Fui eleito pelos agricultores como
representante e fui galgando postos dentro daquela empresa. Eu era
muito conhecido por saber convencer as pessoas. Mas a Cotia, crescendo
muito rapidamente, precisava tomar decisões fundamentais naquela
época. E eu fui contra três dessas questões.
Primeiro, votei contra a transformação daquilo em
Cooperativa Central, preferia que cada região tomasse suas
decisões. Fui contra a aquisição de uma
fábrica de óleo no Paraná, pois a empresa
não tinha participação dos agricultores da
região. E por fim, fui contra a eleição de um
funcionário para o posto de diretor. É que o cargo
é eletivo, e é inegável que ele não
gostará de voltar a ser funcionário caso não seja
reeleito. Então é provável que esse diretor
faça concessões para garantir preciosos votos. E
dependendo do posto que ele ocupa, ele terá ferramentas para
favorecer alguns grupos, enquanto que o agricultor só
dependerá de seu prestígio dentro da sua comunidade.
Quando o diretor é um agricultor, então ele volta para a
sua terra se não for reeleito, e não tem problema. E eu
achava que a Cotia tinha que manter o seu cheiro da terra. Mesmo assim
já tínhamos estudos para profissionalizar a
administração, contratando uma equipe de alto
nível cujos integrantes seriam funcionários, podendo ser
despedidos rapidamente, enquanto a diretoria seria eleita entre os
agricultores como vinha sendo. Com o porte que a Cotia tinha, seria
possível contratar um grande economista ou um ex-diretor do
Banéo Central.
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