:: Kimono "Vestuário"
em japonês fala-se ifuku. Cristiane
A. Sato, colaboradora do CULTURA JAPONESA, aborda neste artigo a
história e a
evolução do vestuário tradicional no Japão,
e de como foi sempre fazendo parte
da moda que o kimono não apenas
tornou-se reflexo da cultura, como mantém-se vivo no cotidiano
dos japoneses há
mais de 2 mil anos. Observação: neste
artigo adotou-se a grafia Hepburn kimono, embora
também seja considerada
correta a grafia "quimono", uma vez que expressão que já
se encontra
incorporada ao português e consta dos dicionários da
língua portuguesa. RESPOSTA
A UMA PERGUNTA Kimono em
japonês significa literalmente "coisa de
vestir". Fora do Japão essa expressão designa
genericamente uma variada
gama de peças e que no conjunto formam um visual considerado
típico ou
tradicional japonês, mas também é sinônimo da
peça principal. No Japão, a peça
principal que nós chamamos de kimono
é chamada de kosode. O
atual significado da palavra de kimono tem
origem no século XVI, quando navegantes ocidentais -
principalmente
portugueses, espanhóis e holandeses - chegaram ao
arquipélago. Nos primeiros
contatos com os japoneses, sem conhecerem os idiomas de uns e de
outros, os
ocidentais perguntavam com mímicas e gestos qual era o nome das
roupas de seda
que viam os japoneses usarem, e os japoneses respondiam kimono.
Era como alguém perguntando a um japonês: "Como se
chama sua roupa?" E o japonês respondia: "Roupa". Foi assim que
a palavra kimono tornou-se designação
moderna do vestuário tradicional japonês. No
Japão o vestuário divide-se em duas grandes categorias: wafuku (vestimenta japonesa ou de estilo japonês) e
yofuku (vestimenta ocidental ou de
estilo ocidental). A
história do vestuário japonês é em grande
parte a história da evolução do kosode,
e de como os japoneses adaptaram
a seus gostos e necessidades estilos e a produção de
tecidos vindos do
exterior. NA
ANTIGÜIDADE Não
se sabe ao certo como eram as roupas usadas na
Pré-história japonesa (Era Jomon
- 10 mil a.C. a 300 a.C.), mas pesquisas arqueológicas indicam
que
provavelmente as pessoas usavam túnicas de pele ou de palha. Na
Era Yayoi (300
a.C. a 300 d.C.) a sericultura e técnicas têxteis chegaram
ao Japão através da
China e da Coréia.
Dos
séculos IV a IX, a cultura e a corte imperial no Japão
receberam forte
influência da China. Influenciado pela recém-importada
religião budista e pelo
sistema de governo da corte Sui chinesa, o regente japonês
Príncipe Shotoku
(574-622) adotou regras de vestuário estilo chinês na
corte japonesa.
Posteriormente, com o advento do Código Taiho (701) e do
Código Yoro (718,
eficaz só a partir de 757), as roupas na corte mudaram seguindo
o sistema usado
na corte Tang chinesa, e foram divididas em roupas cerimoniais, roupas
de
corte, de roupas de trabalho. Foi nesse período que passou-se a
usar no Japão
os primeiros kimonos com a
característica gola em "V", ainda similares aos usados na China. OPULÊNCIA
TÊXTIL Na
Era Heian (794-1185) o contato oficial com a China foi suspenso pela
corte
imperial, e esse afastamento permitiu que formas de expressão
cultural
genuinamente japonesas florescessem nesse período. No
vestuário isso se
refletiu em um novo estilo, mais simples no corte, mas mais elaborado
em
camadas e sofisticação têxtil. Os
homens da aristocracia passaram a usar o sokutai,
um conjunto formal composto por uma ampla saia-calça chamada oguchi, cuja aparência recheada e firme
se deve a várias camadas de longos kimonos
por baixo chamados ho, e uma enorme
túnica bordada, de mangas longas e amplíssimas e uma
cauda de cerca de 5
metros. Uma tabuleta de madeira chamada shaku
e uma espada cerimonial longa, a tachi,
eram complementos obrigatórios. Os homens ainda deviam usar um
penteado chamado kammuri - composto basicamente por um
chapeuzinho sólido preto e uma ou mais fitas de seda engomadas
na vertical,
tudo preso ao cabelo. De acordo com variações (haviam 5
delas, referentes a
quantidades de fita, se ela enrolada, se ela pendia do chapéu,
etc), sabia-se o
status ou grau de importância do indivíduo na corte. Uma
versão simplificada do sokutai, o ikan,
é usada
atualmente pelos sacerdotes xintoístas. As
damas da corte usavam o igualmente amplo e impressionante karaginumo,
mais conhecido pelo nome adotado após o século XVI jûni-hitoe, ou "as doze molduras da
pessoa". Trata-se de um conjunto de nada menos que doze kimonos
da mais fina e luxuosa seda
sobrepostos chamados de uchiki, cada
um levemente mais curto que o anterior, de modo a deixar golas, mangas
e barras
aparecendo em discretas camadas, criando um efeito multicolorido de
impacto. O
último uchiki, que serve de
sobretudo, era bordado e era freqüentemente complementado por um
cinto amarrado
à frente em forma de laço no mesmo tecido, e uma cauda
que podia ser em outra
cor ou textura. Um enorme leque decorado com cordões de seda e
um tipo de
carteira de seda, encaixada na gola entre a 3ª e a 4ª camada,
eram complementos
obrigatórios. As mulheres não cortavam os cabelos: eram
usados longuíssimos,
lisos, soltos sobre as costas ou simplesmente amarrados um pouco abaixo
da
altura do pescoço, freqüentemente com as pontas arrastando
no chão sobre a
cauda do jûni-hitoe.
ESTILO
SAMURAI Na
Era Kamakura (1185-1333), o advento do xogunato e o declínio do
poder e do
prestígio da corte imperial trouxe ao vestuário novos
estilos adotados pela
ascendente classe dos samurais. Na corte imperial e do xogum os grandes
senhores e oficiais mais altos ainda usavam o formal sokutai,
mas o kariginu,
antes um traje de caça informal da aristocracia - um tipo de
capa engomada com
gola arredondada, longas e amplas mangas que podiam ser decoradas com
cordões -
foi amplamente adotado pelos senhores feudais e samurais. As
mulheres passaram a usar uma combinação de uchikis
com um hakama, saia-calça ampla com
placa de sustentação nas costas, usada também por
homens. Com o tempo, uso do uchiki deu lugar ao kosode, que comparado ao uchiki
é menos amplo, tem mangas mais curtas, e cuja forma aproxima-se
mais dos kimonos modernos. A amarra para fechar o kosode era feito com faixas estreitas,
na altura da cintura ou pouco abaixo da barriga.
Na
Era Azuchi-Momoyama (1568-1600), período marcado por constantes
guerras pelo
poder entre os generais Hideyoshi Toyotomi e Nobunaga Oda, os samurais
continuaram a usar coloridos e ricos conjuntos de peças
superiores com calças,
chamados de kamishimo - um kimono
masculino com uma saia-calça ampla, longa e estruturada chamada nagabakama, tudo feito no mesmo tecido,
às vezes complementado por uma jaqueta sem mangas, com ombros
alargados e
estruturados em tecido diferente. O kamishimo
continuou sendo usado até a segunda metade do século XIX. GOSTOS
BURGUESES Durante
os 250 anos de paz interna do xogunato Tokugawa (1600-1868), os chõnin (burgueses, ricos comerciantes)
deram apoio a novas formas de expressão artística e
cultural que não mais
derivavam da corte imperial ou da corte do xogum. O teatro
kabuki e os "bairros do prazer" nas cidades de Edo
(Tóquio), Osaka e Kyoto ditavam moda. O
kosode, que se tornou o traje básico para homens e mulheres,
passou a ser
mais decorado, seja pelo desenvolvimento de técnicas de
tingimento como yuzen e shibori, seja
por outras técnicas artesanais de decoração
têxtil
com pintura, bordados e desenhos desenvolvidos no tear. Os obis
femininos, faixas largas e compridas usadas para fechar os kosodes,
feitos em brocado com fios de
ouro e prata, ganharam ênfase na moda e viraram símbolos
de riqueza. A haori, uma jaqueta com mangas amplas
e gola estreita feita de seda, na qual bordava-se ou imprimia-se
símbolos que
representavam a atividade profissional da pessoa ou a insíginia (kamon, ou escudo circular) do chefe da
família, passou a ser amplamente usado. Uma versão
popular, de mangas mais estreitas,
feita em tecido mais simples e resistente, passou a ser usada por
trabalhadores
e funcionários de estabelecimentos comerciais. Chamada de happi, essa peça ainda é muito usada. Algumas
peças surgidas no início desse período refletem
influência portuguesa. A kappa (capa longa de
corte circular, com
ou sem gola, sem mangas, usada como sobretudo) deriva das capas usadas
pelos
navegantes portugueses, assim como a jûban
(camisa com forma de kimono curta
usada como roupa de baixo) deriva do "gibão" português.
TEMPOS
MODERNOS A
partir da Restauração Meiji (1868), os japoneses
lentamente adotaram o
vestuário ocidental. O processo começou por decreto: o
governo determinou que
todos os funcionários públicos, militares e civis,
passassem a usar roupas ou
uniformes à ocidental. Ao final da 1ª Guerra Mundial
(1918), quase todos os
homens já usavam ternos, camisas, calças e sapatos de
couro. As
mulheres adotaram mais lentamente os estilos ocidentais. No
início apenas a
aristocracia usava vestidos de gala, importados da Europa, usados em
algumas
ocasiões formais na corte Meiji e em bailes do suntuoso
salão Rokumeikan (de
1883 a 1889) em Tóquio. A partir da 1ª Guerra Mundial,
mulheres instruídas e
com profissões urbanas passaram a usar diariamente roupas
ocidentais, mas só
após a 2ª Guerra Mundial (1945) foi que o vestuário
ocidental passou a ser a
regra em todas as classes sociais, homens mulheres e crianças.
TIPOS DE KIMONOS Parece
simples, mas não é. Dependendo de estampas e cores, os kimonos seguem uma etiqueta, uma hierarquia cujo uso
depende da
ocasião, da estação do ano, do sexo, do grau de
parentesco ou do estado civil
da pessoa que o usa. Veja a seguir os principais tipos de
kimono:
Furisode - "mangas
que balançam", kosode feminino cujas mangas
possuem 70
cm a 90 cm de comprimento. É o kimono
formal das moças solteiras, ricamente estampado, fechado com obi em brocado multicolorido e brilhante
amarrado em grandes laços nas costas. É geralmente usado
no Seijin Shiki (Cerimônia da Maturidade,
no mês de janeiro no ano em que a moça completa 20 anos) e
pelas moças
solteiras aparentadas da noiva nas cerimônias e
recepções de casamento.
Houmongi - "traje de
visita", kimono liso de uma só cor, geralmente
em tons pastéis, com profusa
decoração em um dos ombros e uma das mangas, e das coxas
para baixo, sem kamons (escudos de família).
Considerado
um pouco menos formal que o irotomesode,
em cerimônias de casamento é usado por mulheres casadas ou
solteiras, que
geralmente são amigas da noiva. O houmongi
também pode ser usado em festas formais ou
recepções. Tsukesage - Comparado
ao houmongi,
o tsukesage tem uma decoração um
pouco mais discreta e é considerado menos formal que o houmongi. Dos kimonos que
podem ser usados diariamente por casadas e solteiras, é o mais
requintado. Iromuji - kimono de
uma só cor, que pode ter textura mas sem decoração
em outra cor, usado
principalmente em Cerimônias do Chá. Pode ter um pequeno
bordado decorativo ou
um kamon (escudo de família) nas
costas. É um kosode semi-formal,
considerado elegante para uso diário. Komon - "estampa
pequena", kimono feito com seda estampada com desenhos
pequenos repetidos por
toda a peça. Considerado casual, pode ser usado para sair pela
cidade ou para
jantar em um restaurante. Pode ser usado por casadas e solteiras. Tomesode - "mangas encurtadas", kosode feminino de seda, forrado em seda de cor diferente, cujas mangas possuem 50 cm a 70 cm de comprimento. A expressão deriva do costume de que quando as mulheres se casavam elas passavam a usar kimonos com as mangas curtas - ou cortavam as mangas dos kimonos - como símbolo de fidelidade ao marido. A maior parte dos kosode usados por mulheres são desse tipo.
KIMONOS
CERIMONIAIS INFANTIS Shichi-go-san (7-5-3)
é o nome de uma cerimônia xintoísta na qual
as meninas e 7 e 3 anos, e os meninos de 5 anos de idade, vestem kimonos especiais e visitam o templo
para pedir saúde e boa sorte em seu crescimento. As meninas
são vestidas como
mini-gueixas, destacando-se a cor vermelha, e os meninos usam uma
versão
miniatura de um traje formal completo de samurai. A haori
dos meninos são estampadas com imagens de samurais famosos
(normalmente a figura de Minamoto no Yoshitsune, também chamado
de Ushiwakamaru,
herói do Heike Monogatari - O Conto
de Heike).
DETALHES Eis
a seguir um vocabulário sobre aspectos e acessórios de kimonos: Geta -
sandália de madeira, geralmente usada por homens e
mulheres com yukata. Kanzashi - nome que
designa uma série de ornamentos para o
cabelo usados com kimono. Podem ter a
forma de espetos com terminais esféricos ou diversos formatos
decorativos,
flores ou de pentes. São feitos em madeira laqueada, tecido,
jade, casco de
tartaruga, prata, etc. Obi - faixa
usada amarrada à cintura para manter o kimono
fechado. Varia em largura e
comprimento. Homens em geral usam obis
de trama larga e firme, em cores discretas, estreitos, amarrando com um
nó às
costas circundando a linha abaixo da barriga. Mulheres em geral usam obis em brocado largos, com desenhos
feitos no tear, ao redor do tronco e amarrados às costas. Cores
e desenhos
variam: os mais brilhantes e intrincados são usados em
ocasiões formais. Obijime -
cordão decorativo em fio de seda usado para dar
acabamento e firmeza à amarra do obi.
Usado por mulheres. Tabi - meia de
algodão na altura dos tornozelos ou metade
das canelas, com divisão para o dedão do pé, com
abertura voltada para o lado
entre as pernas. Waraji -
sandálias de palha trançada. Bastante comum
décadas
atrás, atualmente são mais usadas por monges. Zõri -
sandália com acabamento em tecido, couro ou
plástico. Os femininos são estreitos e possuem a ponta
mais ovalada, e os
masculinos são mais largos, retangulares, com as extremidades
arredondadas. AOS
QUE QUISEREM SE APROFUNDAR NO ASSUNTO O
site Cultura Japonesa recomenda: "The Book of
Kimono", de Norio
Yamanaka, publicado pela Kodansha
International. Aborda a história do kimono,
e da evolução estética do vestuário
tradicional no Japão. Bem ilustrado, não
possui tradução para o português. Pode ser
adquirido via internet através da
Amazon Books (www.amazon.com) ou da Barnes & Noble (www.bn.com). "Kimono:
Fashioning Culture", de
Liza Crichfield Dalby, publicado pela University of California
Press. Também
autora de um
extenso estudo sobre as Gueixas, Liza Dalby não só aborda
aspectos estéticos do kimono, como
também relata suas
experiências ao ter que vesti-lo diariamente durante o
período em que foi
treinada como gueixa e viveu como uma em Kyoto. Pode ser adquirido via
internet
através da Amazon Books (www.amazon.com) ou da Barnes &
Noble (www.bn.com). "Japop - O
Poder da Cultura Pop
Japonesa", de Cristiane
A.
Sato, publicado pela NSP Hakkosha. Uma das poucas obras em
português sobre
cultura contemporânea japonesa e sua ampla influência em
muitos aspectos da
mídia e da moda no exterior, a autora aborda no capítulo
"Moda" a
história do kimono, as
transformações
sociais e estéticas no vestuário japonês com a
influência ocidental, os
principais estilistas japoneses e o movimento de retomada do kimono no século XXI. Pode ser adquirido
na Livraria Cultura ou via internet através dos sites Livraria
Cultura
(www.livrariacultura.com.br) e Submarino (www.submarino.com.br). 30/agosto/2007 AO
USAR INFORMAÇÕES DESTE SITE, NÃO DEIXE DE
MENCIONAR A FONTE www.culturajaponesa.com.br/kimono LEMBRE-SE:
AS INFORMAÇÕES SÃO GRATUÍTAS, MAS ISTO
NÃO LHE DÁ DIREITO DE SE APROPRIAR DESTA
MATÉRIA. CITANDO
A FONTE, VOCÊ ESTARÁ COLABORANDO PARA QUE MAIS E MELHORES
INFORMAÇÕES SOBRE
DIVERSOS ASSUNTOS SEJAM DISPONIBILIZADOS EM PORTUGUÊS.
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