:: NOREN –
CORTINA CURTA Quem freqüenta restaurantes de comida japonesa já deve ter reparado num elemento decorativo praticamente indispensável: cortinas curtas de tecido na porta de entrada, sobre o balcão onde se preparam alguns dos quitutes, e na porta da cozinha. Mesmo em residências de japoneses usa-se uma dessas cortinas na porta da cozinha. Tais cortinas não aparentam ter uma função prática. São curtas ou recortadas demais para disfarçar ou ocultar uma passagem. Não servem nem mesmo para, como se acredita em comunidades caboclas no interior do Brasil, evitar que insetos entrem voando pela porta da cozinha, onde até hoje há o hábito popular de se instalar cortinas compridas de finas tiras de sisal, barbante, tecido ou plástico. Por que então os japoneses usam tais cortinas curtas? Será por mero efeito estético? Cristiane A.
Sato, consultora do CULTURA JAPONESA, explica a seguir como surgiu e
porque os
japoneses usam a NOREN, a tão popular
cortina curta recortada que vemos em lojas, restaurantes e casas. AS ORIGENS
PRÉ-HISTÓRICAS DA NOREN As cortinas
curtas de tecido recortado são chamadas genericamente em
japonês de NOREN. O uso da NOREN
remonta às práticas religiosas do período Yayoi
(300 a.C. a
300 d.C.), ou seja, às práticas do xintoísmo
arcaico, xamanico. Trata-se,
portanto, de um costume antiqüíssimo, do qual muitos
japoneses atualmente já
não mais conhecem a origem e a história, mas continuam
praticando por força de
tradição e de crenças populares consagradas ao
longo de milênios. Com influências
do taoísmo antigo, o xintoísmo é considerado a
religião nativa do Japão - uma
religião animista na qual manifestações, objetos e
seres da natureza (no qual
se incluem pessoas) são elevados à categoria de kamis (deuses, divindades). Uma destas
manifestações naturais
consideradas extraordinárias, divinas, era o fogo. Tão
importante era o fogo,
que além dele em si ser considerado divino, havia ainda uma
divindade própria
que o representava: Koojin, o Deus do
Fogo (também chamado de Honõkagutsuchi,
ou de Hi no Kami). Afinal, o fogo era
essencial para a sobrevivência. Sem ele as pessoas não
podiam cozinhar, não
havia luz à noite, nem aquecimento no frio. Fogueiras foram o
elemento ao redor
das quais formaram-se as comunidades primitivas, e no Japão
pré-histórico as
casas eram construídas como reflexo desse passado: circulares,
com paredes
externas mas sem paredes internas, com uma pequena área escavada
no centro,
onde acendia-se o fogo e ao redor do qual os membros da família
reuníam-se para
aquecer-se e comer. Como o fogo era
considerado sagrado, a área onde ele era aceso e mantido era
rodeada por uma shimenawa (grossa corda de palha de
arroz torcida da esquerda para direita), que no xintoísmo indica
a presença de
uma divindade. Usada até hoje, a shimenawa
é amarrada ao redor de algumas árvores e pedras quando se
acredita que nelas
habite um kami. A shimenawa
também é amarrada em toriis (portais
simbólicos construídos à
entrada de locais considerados sagrados e templos xintoístas) e
em haidens (oratórios principais dos jinjas - os templos xintoístas). Aos que
nunca viram uma shimenawa, uma dica:
em São Paulo, no bairro da Liberdade, há um enorme torii vermelho instalado na rua Galvão Bueno, com
uma shimenawa gigante. Assim, os
japoneses primitivos colocavam a shimenawa
ao redor da fogueira no centro das casas não apenas para indicar
que o fogo era
sagrado, mas também para demonstrar respeito a Koojin, que
conforme as crenças
da época, manteria o fogo sob controle para nunca se tornar um
incêndio. Mas à
medida em que a sociedade primitiva evoluiu para comunidades maiores e
mais
complexas, cada vez mais centradas na atividade agrícola, a
arquitetura das
casas sofreu alterações refletindo as mudanças de
estilos de vida, e surgiram
as divisões internas de cômodos com usos
específicos. O fogo, antes centro da
vida doméstica, foi "enclausurado" na cozinha, e o uso da shimenawa, como era feito antigamente,
tornou-se impraticável. Assim, aos poucos, a shimenawa
foi substituída pela cortina curta NOREN. USOS E
SIGNIFICADOS DA NOREN A cortina NOREN
e a corda shimenawa tornaram-se quase sinônimos.
Ambas simbolizam uma ligação
da humanidade com os espíritos, e por isso a NOREN
passou a ser considerada um "amuleto". Quando uma NOREN
é pendurada na entrada de um
comércio, é indicativo de que a loja está pronta
para atender o público.
Popularmente acredita-se que a NOREN
evite que "maus espíritos" que eventualmente parasitem clientes
entrem no estabelecimento, "varrendo-os" da cabeça das pessoas
ao
passar pela cortina. Na porta de residências, elas "limpam" as
pessoas de qualquer "mau espírito" antes de entrar na casa. Em
restaurantes, NORENS penduradas na
porta da cozinha ou onde se preparem alimentos são vistos como
"amuletos" que pedem proteção contra incêndios, e o
mesmo ocorre quando
uma NOREN é pendurada na porta da
cozinha em residências. As NORENS
primitivas eram feitas com cordas
curtas de palha de arroz pendentes. Ainda hoje, há
estabelecimentos que,
aparentemente por uma questão de gosto, usam NORENS
rústicas, como bares. Com a evolução da tecelagem,
e de
processos de tingimento e decoração têxtil no
Japão, as NORENS passaram a ser feitas de
tecidos. Normalmente as NORENS são feitas de
algodão tingido em
tons escuros de azul indigo e decoradas com motivos que variam desde
símbolos
de boa sorte como bambús, cegonhas ou carpas, a mons
("escudos redondos", insígnias que designam clãs ou
famílias) e nomes de estabelecimentos ou de atividades
comerciais. Como as NORENS continuam extremamente
populares,
há hoje em dia uma variedade enorme de NORENS
estampadas em estilos tradicionais ou com desenhos mais modernos, que
incluem
de temas infantis a estampas abstratas, e em comprimentos diversos, que
fazem a
alegria de colecionadores. Um dos estilos mais em voga atualmente
são as
chamadas Edo Jidai Noren (cortinas
curtas com estampas da Era Edo), de aparência tradicionalista e
nostálgica, com
desenhos inspirados em gravuras ukiyo-e ("imagens
do mundo flutuante", gravuras produzidas pelo método tradicional
japonês
com matrizes de madeira) e caracteres japoneses escritos com pinceladas
grossas. Tais cortinas são também bastante apreciadas por
estrangeiros, que as
compram como lembranças de viagem. No próprio
idioma japonês, há figuras de linguagem usadas comumente
até hoje, que foram
baseadas na NOREN. Como muitos
estabelecimentos comerciais imprimem seus nomes na NOREN,
surgiu a expressão
NORENWAKE ("dividir a cortina"), que designa a
situação na qual
um funcionário que dedicou muitos anos à loja recebe como
prêmio uma loja nova
de presente do patrão. Embora tratem-se de negócios
independentes, o patrão
formaliza a consideração pelo funcionário
dando-lhe uma NOREN com o nome de sua loja,
emprestando ao novo estabelecimento a
reputação de sua loja, como se fosse uma filial. O respeito pelo
fogo ainda aparece atualmente na expressão kamadowake
("dividir o fogo"). Antigamente, quando uma pessoa da família se
casava e ia morar noutro lugar, dividiam-se as brasas da fogueira para
que a
pessoa que estava partindo pudesse acender o fogo em seu novo lar. Hoje
em dia,
usa-se tal expressão para designar a situação na
qual os filhos deixam a casa
dos pais para morar em separado, que atualmente ocorre mais em
função de
estudos ou trabalho do que em função de um casamento. 25/maio/2006 AO USAR
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FONTE www.culturajaponesa.com.br - Cristiane A. Sato LEMBRE-SE: AS
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