As escolas femininas japonesas no Brasil – 5

 

ESCOLAS DE CABELEREIRAS

No pós-guerra uma nova profissão tornou-se extremamente procurada pelas mulheres imigrantes. A crescente migração do campo para a cidade leva muitas mulheres a procurarem uma qualificação profissional mais adequada ao estilo de vida urbano. Uma crescente demanda por serviços de estética e beleza e concomitante carência de mão-de-obra especializada leva ao surgimento das Biyouin (美容院), que eram salões de beleza que também funcionavam como escolas técnicas de cabelereiras (slide 16).

As cabelereiras nipobrasileiras da época (década de 1950) lidavam principalmente com cortes curtos e faziam permanentes à ocidental, mas também sabiam fazer a shironuri keshou (maquiagem de base branca estilo japonês) e os nihongami (penteados históricos japoneses), que ainda eram bastante usados por noivas em casamentos tradicionais e por praticantes de nihonbuyou (danças clássicas japonesas). Conforme a moda mudou nos anos 1960, com o advento dos altos e cheios “penteados panetone”, as mulheres passaram a gastar mais tempo nos salões para cuidar de cabelos longos e fazer penteados elaborados, passando horas em secadores que pareciam capacetes espaciais e sob os cuidados de escultoras capilares munidas de bisnagas de laquê, o que aumentou a demanda por salões.

Todas essas técnicas eram ensinadas e imediatamente praticadas nas Biyouins. O aspecto que mais atraía mulheres para essas escolas era a alta rentabilidade da atividade e a possibilidade de, imediatamente ao término do curso, abrir o próprio salão. Isso fez com que as escolas de cabelereiras fossem as comercialmente mais bem sucedidas das escolas técnicas femininas japonesas no Brasil. Das várias que surgiram só na cidade de São Paulo a mais famosa foi a Escola Akahoshi (ou Akaboshi, a partir de 1960), que começou na Rua Rodrigo Silva, 26 e durante décadas ocupou uma grande sobreloja num edifício na Praça João Mendes esquina com Viaduto Dona Paulina. O diretor da escola, Tsutomu Akaboshi, era exímio cabelereiro numa época em que não era comum homens atendendo mulheres em salões de beleza.

KAKEIBO: O SEGREDO DO SUCESSO

Especialmente nas escolas de corte e costura e de culinária ensinava-se o kakeibo (literalmente “caderno de contabilidade doméstica”). Mais do que um caderno de anotações de receitas e despesas, um kakeibo era basicamente um diário através do qual uma dona de casa e mãe aplicava de modo eficiente conceitos de educação financeira em prol da segurança econômica e prosperidade da família. O objetivo principal era tentar fazer todos os meses as despesas serem menores que a receita e ter controle do valor poupado para emergências ou futuras aplicações. Parece algo lógico e simples, mas ter a disciplina de redigir diariamente o kakeibo fazia parte dos deveres da dona de casa e mãe japonesa, por isso ele era ensinado nas escolas de corte e costura e de culinária no Brasil.

No Japão, o kakeibo é ensinado até hoje no ensino médio para todos alunos e alunas (slide 17). É considerado uma técnica fundamental, de conhecimento básico universal, porque na família japonesa típica o marido entrega todo seu salário à esposa, cabendo a ela o trabalho e a responsabilidade de administrar o dinheiro da familia. Nas imagens vemos cadernos kakeibo recentes: o primeiro em branco é vendido na Daiso e o segundo é um exemplo de como ele vai sendo escrito e preenchido. Muitos cadernos vêm com dicas para economizar no dia a dia. Atualmente existe a forma digital do kakeibo para celulares (sumaho kakeibo), mais usado por gerações jovens no controle de despesas que tem a vantagem de dar dicas de aplicações e investimentos e informações atualizadas sobre indicadores financeiros em tempo real.

O MAIS PROFUNDO E DURADOURO CHOQUE CULTURAL ENTRE O JAPÃO E O OCIDENTE: DAR TODO DINHEIRO PARA A MULHER ADMINISTRAR

De todos os aspectos da vida privada diferentes entre ocidentais e japoneses, e o que mais afeta as relações familiares e entre homens e mulheres, é o costume japonês do marido entregar todo salário à esposa para ela administrar. Esse costume, que é a regra dos relacionamentos no Japão até hoje, é antigo e vem de antes da modernização do Japão.

  1. Amandio Sobral, jornalista do “Correio Paulistano”, escreveu um longo artigo após ficar três dias observando os imigrantes japoneses em seus primeiros dias na Hospedaria dos Imigrantes no Brás, assim que desembarcaram do navio Kasato Maru e foram trazidos a São Paulo em junho de 1908 (slide 18). No geral a descrição que ele fez dos japoneses foi amplamente positiva, mas um aspecto particular lhe chamou a atenção. Enquanto os maridos brasileiros mantêm controle de todo o dinheiro da família, e somente entregam a suas esposas a quantia que elas requisitam para fazer compras do dia para a casa, Sobral reparou que os japoneses “Têm nas suas mulheres a maior confiança, a ponto de, para não interromperem uma lição adventícia de português, lhes confiarem a troca do seu dinheiro japonês em moeda portuguesa (…)”. Em outras palavras, diferentemente de outras etnias que imigraram ao Brasil, os japoneses além de virem com dinheiro (não eram maltrapilhos nem miseráveis), deixavam suas mulheres fazerem operações de câmbio e tomarem conta do dinheiro, algo que lhe chamou tanta atenção que ele teve que registrar o fato por escrito e publicar no jornal.

PERGUNTA DE UM MEMBRO DA PLATÉIA: “É assim até hoje lá no Japão?

Sim. Entre japoneses é uma regra tão natural que é comum, quando um casal ou uma família vão comer num restaurante, o garçom entregar a conta à mulher. A regra lá é assim, eles partem do princípio que a mulher é quem toma conta do dinheiro. Quando o marido é um salary man, ele mostra o holerite para a esposa saber quanto vai cair na conta naquele mês e ela dá mesadas para o marido e para os filhos.

PERGUNTA DE UM MEMBRO DA PLATÉIA: “E se o cara fôr um empresário, como é que ele faz?”

Muitas famílias no Japão são de artesãos especializados, shokunins, empreendedores que se dedicam há várias gerações a uma atividade. O que é mais comum ocorrer é que as esposas se tornam administradoras e assistentes dos negócios do marido, elas cuidam da burocracia e do pagamento de contas para que os maridos possam se dedicar quase que exclusivamente à profissão e aos clientes.

PERGUNTA DE UM MEMBRO DA PLATÉIA: “Mas se ele não quiser entregar o dinheiro pra ela?”

Bom, ou o namoro não vira casamento ou o casamento acaba em divórcio. Ele revelaria falta de confiança nela, o relacionamento depende de transparência e confiança no trato do dinheiro, que no casamento passa a ser visto como a formação de um caixa único da família.

O fato desse assunto ter levantado tantas perguntas mostra que o choque cultural e comportamental ainda existe. Esse é um assunto que até merece discussões mais aprofundadas, porque por um lado esse costume é um ponto de equilíbrio entre a face aparentemente conservadora e machista da sociedade japonesa, e ao mesmo tempo é um comportamento revolucionário sob o ponto de vista ocidental posto que no Japão as mulheres controlam o dinheiro da família. Esse é um dos aspectos que pode explicar porque até hoje o feminismo no Japão “não pegou”. Se considerarmos que o feminismo no ocidente teve como demanda inicial o reconhecimento do direito das mulheres administrarem o próprio dinheiro sem necessidade de um tutor masculino (vide o livro de Mary Wolllstonecraft, “A Vindication of the Rights of Woman”, 1792), que a forma de um casal administrar o dinheiro de uma família ainda é uma questão controversa e que o tema causou várias indagações, acho que seria interessante organizar futuros debates sobre o assunto.

Assim, retomando o raciocínio, o que é realmente relevante é notar que a educação financeira é a base da educação feminina japonesa. Habilitar as mulheres com conhecimentos de corte e costura, culinária ou estética era formalmente o principal objetivo das escolas femininas, mas o que era considerado realmente relevante era o ensino da educação financeira, esse sim o grande diferencial em termos de choque cultural entre os costumes japoneses e ocidentais (slide 19). Mais do que técnica contábil, a responsabilidade pelo sucesso e pela estabilidade financeira de um lar e de uma família é atribuída em grande parte à mãe de família. Dizem que se você quiser saber qual a melhor aplicação financeira do mês no Japão, deve perguntar a uma dona de casa. Tendo em vista que no Japão existem várias formas de aplicações que não existem no ocidente, é de impressionar a rapidez com que elas se informam, avaliam riscos e comparam resultados.

(continua nos links abaixo)

1 – http://www.culturajaponesa.com.br/index.php/guia-japao/educacao-feminina-japonesa-no-brasil/educacao-feminina-japonesa-no-brasil-1/

2- https://www.culturajaponesa.com.br/index.php/guia-japao/educacao-feminina-japonesa-no-brasil/educacao-feminina-japonesa-no-brasil-2/

3 – http://www.culturajaponesa.com.br/index.php/guia-japao/educacao-feminina-japonesa-no-brasil/as-escolas-femininas-japonesas-no-brasil-3/

4 – http://www.culturajaponesa.com.br/index.php/guia-japao/educacao-feminina-japonesa-no-brasil/as-escolas-femininas-japonesas-no-brasil-4/

5 – Esta página

6 – http://www.culturajaponesa.com.br/index.php/guia-japao/educacao-feminina-japonesa-no-brasil/as-escolas-femininas-japonesas-no-brasil-6/

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