As escolas femininas japonesas no Brasil – 6
CASES DE EDUCAÇÃO FINANCEIRA KAKEIBO: ESPERANÇA FUJINKAI E YOKO ONO
Nada ilustra melhor a diferença que faz a educação financeira feminina japonesa do que resultados. Para isso gostaria de mencionar dois casos famosos.
Citada anteriormente, a Associação Beneficente Feminina Esperança, ou em japonês Esperança Fujinkai, foi um grande exemplo do grau de organização e de realizações que as mulheres nikkeis conseguiam com base na educação básica feminina. Formalizada em 1949 com o objetivo de angariar doações para o esforço de socorro e reconstrução do Japão pós-guerra, a Esperança Fujinkai foi uma das entidades beneficentes mais ativas e mais bem sucedidas da colônia. Ao longo de mais de 7 décadas realizando bazares, festas e eventos culinários diversos, a Esperança Fujinkai foi uma grande doadora para várias entidades assistenciais da comunidade e no seu auge teve mais de 300 associadas ativas. Mesmo doando boa parte de sua arrecadação, a Esperança Fujinkai conseguiu comprar sua sede própria, uma casa na Rua Pandiá Calógeras 111, e um escritório no prédio da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, na Rua São Joaquim 381.
Em 2023, devido à avançada idade de suas associadas e a falta de interesse de jovens gerações em continuar com o trabalho da associação, elas decidiram encerrar atividades e doar o patrimônio da associação às entidades assistenciais que sempre apoiaram. O levantamento final chegou a impressionantes R$ 1.996.160,49 em bens móveis e em espécie, e o imóvel da sede foi avaliado em R$ 971.166,00 pelo valor venal, valores esses divididos entre 9 entidades. Nada mal para um um grupo de simples senhoras financeiramente disciplinadas que dedicavam parte de seu tempo livre a um ideal. Considerando que na época em que elas começaram não havia qualquer suporte governamental ou benefício da Seguridade Social, e que uma aposentadoria na velhice dependia totalmente de economias resultantes do próprio trabalho e de investimentos feitos ao longo da vida, elas foram vencedoras admiráveis.
Mais espantoso ainda foi o caso de Yoko Ono, viúva do ex-Beatle John Lennon (slide 20). Ser artista não quis dizer que ela teria abandonado sua formação básica nas escolas japonesas e adotado um estilo de vida desregrado, muito pelo contrário: como esposa japonesa ela se manteve disciplinada, participava da vida profissional do marido e administrava o dia-a-dia financeiro do casal. Muitos viam o comportamento de Yoko Ono como “feminista” e criticavam uma aparente obsessão de Lennon pela esposa (ou era díficil admitir que ele, um cantor caucasiano famoso e multimilionário, pudesse ser realmente apaixonado por uma mulher oriental?), acusando-a de ser responsável pela separação dos Beatles. Mas fato foi que Lennon passou alguns meses separado da esposa, começou a perder o controle das coisas da própria vida, decidiu voltar para Yoko e tiveram um filho. Deixando preocupações mundanas como pagar contas de luz e despesas de supermercado com a esposa, Lennon pôde dedicar-se totalmente a sua produção artística e o resultado foi o álbum “Double Fantasy”, que é uma comovente homenagem às mulheres.
Quando Lennon morreu assassinado em 1980, Yoko Ono teve que assumir sozinha a criação de um filho ainda pequeno e a administração de uma fortuna em bens e direitos das músicas do marido, na época avaliada em US$ 200 milhões. Em 2021, já sentindo dificuldades devido à idade avançada e planejando transferir a administração financeira para seu filho, Sean Lennon, Yoko pediu uma avaliação de sua fortuna, que foi estimada em US$ 620 milhões. Em suma, através de cuidadosa administração e bons investimentos ao longo dos anos, Yoko Ono conseguiu triplicar a fortuna deixada por John Lennon. Tomara que o filho, que em 2023 passou a administrar os bens dos pais, tenha aprendido conceitos de educação financeira com a mãe.
O FIM DAS ESCOLAS FEMININAS (slide 21)
Nos anos 70, os movimentos feministas, a industrialização e o crescimento de estruturas de conveniência na alimentação, vestuário e serviços domésticos, levou à desvalorização das escolas femininas japonesas no Brasil. Muitas das escolas fecharam e tentou-se apagar a própria memória delas da história, apesar da grande influência que tiveram e têm ainda hoje sobre muitos descendentes.
Das várias escolas de corte e costura, apenas a Nippaku e a São Paulo (Akama) sobreviveram até a década de 60, readaptando-se: a Nippaku como escola de ensino fundamental bilíngue português-japonês; a São Paulo paulatinamente abandonou o corte e costura e introduziu matérias do ensino médio preparatório para o Supletivo e Vestibulares, até se tornar o Colégio Pioneiro.
Tais adaptações refletiram a mudança dos tempos e dos costumes. Desprezada a partir dos anos 1970, vista como instrumento de opressão de uma sociedade patriarcal e machista, a educação feminina japonesa foi abandonada pelas novas gerações de descendentes no Brasil. Nos últimos 50 anos, individualmente mais mulheres conquistaram postos de trabalho relevantes fora de casa, mas muitas decidiram não se casar, ter filhos e formar uma família.
Conhecimentos técnicos que antes eram comuns se perderam. Apesar das muitas conquistas sociais e trabalhistas das mulheres, muitos questionamentos ainda são levantados pois os resultados dessas conquistas não se reverteram numa sociedade equilibrada e feliz. A queda de nascimentos, o aumento de idosos sozinhos e desamparados, de jovens com depressão e dificuldades de inserção numa carreira produtiva, são parte de uma realidade que não era esperada com o atual avanço da tecnologia e a mais ampla disponibilidade de comodidades da história da humanidade. Acima de tudo, o nível de endividamento das novas gerações, que estudaram mais que seus pais e avós, contrasta com as conquistas feitas pelas gerações anteriores.
Talvez este seja o momento de relembrar lições passadas, para planejar um futuro melhor.
A título de curiosidade, fiz uma pequena pesquisa sobre mulheres que se destacavam na comunidade nipobrasileira em 1965, que eram as mulheres da geração boomer (nascidas após a 2a Guerra Mundial, o “Baby Boom”, que nos anos 60 formou a mais numerosa geração de jovens da humanidade). Encontrei muitas das diretoras e professoras das escolas femininas da comunidade nikkei, mas também encontrei empreendedoras, cientistas, médicas, enfermeiras, engenheiras, advogadas, arquitetas e artistas, algumas das quais pude conhecer pessoalmente já em avançada idade. Incrível um registro do tipo ter sido feito 60 anos atrás, que me permitiu constatar que na geração que me antecedeu já havia uma quantidade significativa de mulheres ativas e bem sucedidas, que receberam a educação feminina estilo japonês (slides 22 a 24).
Por se tratar de uma palestra num evento em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, terminei esta apresentação com imagens que representam os vários aspectos da identidade da mulher nipobrasileira: mãe, trabalhadora, artista e realizadora (slide 25). E uma homenagem às quatro etnias que formam a população feminina brasileira, uma mistura bela e única, inigualável no mundo (slide 26).
Por fim, agradeci a atenção e participação dos presentes à palestra (slide 27), em especial às senhoras do grupo Oshibana, que depois da apresentação vieram me cumprimentar pela palestra. Elas comentaram que suas mães haviam estudado corte e costura nas escolas nikkeis, e que além de ter trazido muitas lembranças a palestra explicou muito do comportamento e hábitos que as mães delas tinham, dando uma visão mais ampla e compreensiva das memórias de família.
É uma pena que não exista um livro com a história e informações mais detalhadas sobre as escolas femininas japonesas no Brasil, e que o acervo do Museu da Imigração Japonesa no Brasil não tenha nada exposto a respeito dessas escolas. Esta palestra foi formatada a partir de lembranças de pessoas que estudaram nessas escolas e que conheci pessoalmente. Agora que quase todas já faleceram, achei importante deixar algo registrado para que a memória dessas escolas não se perca, e espero que no futuro outras pessoas se interessem sobre o assunto e aperfeiçoem esta pesquisa inicial.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ESPERANÇA FUJINKAI. Esuperansa Fujinkai no Souritsu 55 Nen Kinenshi. Esperança Fujinkai, São Paulo, 2004.
ISHII, Tadashi e Comissão da Compilação da Historiografia dos Cem Anos da Imigração Japonesa no Brasil. História dos Cem Anos da Imigração Japonesa no Brasil: Cem Anos da Imigração Japonesa no Brasil através de Fotografias. Tóquio, Fukyo-sya, Shinano S/A, 2008.
MIYAGI, Shosei. Burajiru Nikkei Shinshiroku – Personalidades da Colônia Japonesa no Brasil. São Paulo, Editora Nikkei, 1965.
MOTA, Iracema F. Córte Certo – Método Racional do Córte. São Paulo, Empresa Gráfica da “Revista dos Tribunais” Ltda., 6a Edição, 1950.
SATO, Hatsue. Jitsuyõna Burajiru Shiki Nippaku Ryõri to Seika no Tomo. São Paulo, Litografia Arte Paulista S/A (Paurisuta Insatsu Kabushiki Kaisha), 4a e 6a Edições ampliadas, 1951 e 1959.
SHIGUTI, Aldo. Esperança Fujinkai deixa legado de ‘otimismo, esperança e solidariedade’, artigo publicado no “Portal Nippon Já” em 07 de fevereiro de 2023.
SOBRAL, J. Amandio. Os Japoneses em São Paulo, artigo publicado no jornal “Correio Paulistano” em 25 de junho de 1908.
SITE: Fundação Instituto Educacional Dona Michie Akama Home – Fundação Michie Akama (fundacaomichieakama.org.br)
SITE: Tsuda University (Universidade Tsuda, Japão) 津田塾の歴史|津田塾大学 (tsuda.ac.jp)
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