nov 052014
 
Monumento aos 26 mártires em Nagasaki. Foto de Alex Twose

Monumento aos 26 mártires em Nagasaki. Foto de Alex Twose

Poucos sabem que a Igreja Católica tem 26 santos japoneses. E pouquíssimos sabem quem foram eles. Para resgatar uma parte da história e homenagear essas pessoas, todas elas mártires, ou seja, eles perderam a vida por não desistirem da sua fé, levantamos essas informações especialmente para este site.

A história resumida

O missionário espanhol Francisco Xavier chegou ao Japão em 15 de agosto de 1549 e começou a difundir o cristianismo no país. O xógum Toyotomi Hideyoshi, general de guerra e quem mandava no país de fato, ficou sabendo que Filipinas havia se tornado propriedade da Espanha depois que sua população foi catequizada. Em Outubro de 1596, o navio espanhol San Felipe naufragou em Urado, Japão. O navio, carregado de ouro e missionários franciscanos, estaria indo das Filipinas para o México e foi atingido por três furacões.
O daimyô de Urado imediatamente mandou resgatar os passageiros e as mercadorias e não quis devolver o ouro para os náufragos, porque o navio não autorizado encalhou em suas terras e pelas leis em vigor, a carga pertenceria a ele. Mandou ir reclamar para Toyotomi Hideyoshi. Diante de Hideyoshi, ninguém consegue explicar o porquê do transporte de tanto ouro. O capitão do San Felipe acaba afirmando que é uma tática dos espanhóis financiar os inimigos dos governantes para conquistar o país. Ele fez a primeira “delação premiada” do Japão, tanto é que o nome dele não aparece entre os condenados à seguir.
É ordenada a prisão de todos os missionários espanhóis que estavam no navio e a posterior execução, mas resolveu proibir, primeiro, a vinda de novos missionários. E, em 5 de fevereiro de 1597, os 26 religiosos foram executados em Nagasaki, após serem capturados em Kyoto. Caminharam a pé até Nagasaki e foram crucificados. A população de Nagasaki, de 4 mil pessoas à época, assistiu comovida à execução e o missionário português Luiz Froes escreveu e transmitiu o fato que se propagou pelo mundo. Conheça agora os mártires, e observe que 20 eram japoneses e 6 não:

Quem foram os 26 mártires

1 – Francisco Kishi – Natural de Kyoto, era carpinteiro e havia sido batizado há oito meses. Não havia nada contra ele, mas resolveu acompanhar o grupo de mártires.

2 – Cosme Takeya – Natural de Owari (hoje Aichi), era artesão de espadas. Ele foi batizado por jesuitas e trabalhou na catequização com os franciscanos de Osaka. Tinha 38 anos.

3 – Pedro Sukejiro – Jovem de Kyoto, atendendo ao pedido do padre Organtino, foi ajudar os mártires em seu caminho para Nagasaki, e decidiu ser executado junto com eles.

4 – Miguel Kozaki – Natural de Ise (hoje Mie), era carpinteiro e ajudou a construir conventos franciscanos de Kyoto e Osaka. Era pai de Thomas, morto com ele.

5 – Diego Kisai – Natural de Bizen (Okayama), ingressou oficialmente na Jesus Kai (Companhia de Jesus) no dia do seu martírio. Quando foi atingido pela lança da execução, ele teria dito os nomes de Jesus e Maria. Tinha 64 anos. Obs. Em japonês está escrito “Diego”, mas na tradução para o inglês, esse nome aparece como Jacob ou como James. Como os jesuitas eram portugueses ou espanhóis, “Diego” está correto.

6 – Paulo Miki  – Natural de Tsukunomi, Osaka, foi educado em escola de jesuitas de Azuchi (onde fez parte da primeira turma de seminaristas) e de Takatsuki. Ingressou em 1585 na Jesus Kai. Tinha 33 anos.

7 – Paulo Ibaraki – Natural de Owari (Aichi), pertencia a uma família de samurais. Junto com seu irmão Leon Karasumaru, ajudava os pobres e os doentes. Abandonou os privilégios da família e foi ser padre na Francisco Kai (Ordem Franciscana). Tinha 54 anos.

8 – João Goto – Natural das Ilhas Goto (Nagasaki), tinha pais cristãos. Havia estudado em Nagasaki e Shiki (Kumamoto) e era padre. Ingressou na Companhia de Jesus momentos antes de sua morte. Tinha 19 anos.

9 – Luis Ibaraki – Natural de Owari (Aichi), era sobrinho de Paulo Ibaraki e de Leon Karasumaru. Estava em treinamento na Ordem Franciscana para ser padre, e embora não estivesse na lista dos perseguidos, ele próprio pediu para ser levado à morte junto com os demais religiosos. Tinha apenas 12 anos. Obs. Aparece também com o nome de Ludovico (do latim Ludovicus).

10 – Antonio (sobrenome ignorado) – Natural de Nagasaki, de pai chinês e mãe japonesa. Se preparava para ser padre na Jesus Kai quando foi levado para Francisco Kai de Kyoto pelo frei Martino, para estudar junto com outras crianças. Tinha 13 anos.

11 – Pedro Batista – Natural de Sant Esteban del Valle, na Espanha era o Superior da Ordem Franciscana (Francisco Kai). Chegou ao Japão em 1593 como embaixador das Filipinas (ocupadas pela Espanha). Construiu uma igreja e um hospital. Tinha 50 anos.

12 – Martino de la Ascenção – Natural de Guipuzcoa, Espanha. Fazia pouco tempo que Martino estava no Japão. Ele estudava o idioma enquanto trabalhava. Era missionário em Osaka quando foi capturado. Tinha 30 anos.

13 – Filipo de Jesus – Natural do México, era da Ordem Franciscana e seguia a vocação religiosa em seu país. Estava de passagem pelo Japão quando foi capturado. Consta que foi o primeiro a perder a vida dentre os executados. Tinha 24 anos.

14 – Gonzalo Garcia – Português natural de Vasai na Índia. O pai era português e a mãe indiana. Comerciante e catequista em Macau (possessão portuguesa na Índia), foi braço direito de Pedro Batista. Tinha 40 anos.

15 – Francisco Blanco – Natural de Monterrey, Galícia, Espanha. Era franciscano e veio ao Japão com Martino de la Ascenção. Aprendeu japonês em Kyoto e em poucos meses conseguiu ouvir confissões em japonês. Tinha 26 anos.

16 – Francisco de São Miguel – Natural de Valladoid, Espanha, era da Francisco Kai onde ingressou jovem. Chegou ao Japão com Batista, e foi amigo dos pobres e doentes. Tinha 53 anos.

17 – Matias (sobrenome ignorado) – Natural de Kyoto, a casa da sua família ficava perto do convento dos franciscanos.  A perseguição aos cristãos começou logo depois que ele foi batizado e ele não estava entre os procurados, mas quando os soldados foram buscar um outro Matias, ele disse: “Eu sou Matias e sou cristão”, para ser preso no lugar do outro.

18 – Leon Karasumaru – Natural de Owari (Aichi), irmão de Paulo Ibaraki, era missionário da Francisco Kai e atuava na igreja e no hospital de Kyoto, onde era chamado de “missionário de Deus”. Tinha 48 anos.

19 – Bonaventura – Natural de Kyoto. Batizado quando criança, ele logo perdeu a mãe e foi enviado a um mosteiro budista. Um dia, ele soube que tinha sido batizado cristão e foi ao Francisco Kai onde estudou religião.

20 – Tomas Kozaki – Nasceu eu Ise. Filho de Miguel Kozaki, auxiliava o padre Martino e aguardava o momento de se tornar missionário. Reencontrou o pai em Kyoto. Deixou uma carta para sua mãe que dizia: “Querida mãe. Agora eu estou escrevendo esta carta com a graça de Deus. Nós todos somos em 24 pessoas e estamos indo para Nagasaki, onde seremos executados. Nos reencontraremos no céu um dia. Mesmo que não haja um padre, se praticou algum delito, se houver um profundo arrependimento, será salva. Eu espero que você cuide dos meus irmãos, e mande lembranças aos meus conhecidos” Dia 19 de janeiro, Castelo de Mihara. Tinha 14 anos.

21 – Joaquim Sakakibara – Natural de Osaka, era estudante de medicina. Se identificou com a pregação dos missionários e foi batizado. Ajudou a construir uma igreja em Osaka e trabalhou para os pobres e doentes. Tinha 40 anos.

22 – Francisco – Natural de Kyoto, era médico e trabalhou com o senhor feudal Sorin Otomo, de quem ganhou um rosário, que ele guardou com muito carinho. Ele foi batizado em Kyoto, participava da Francisco Kai. e ajudava no hospital Jesus. Tinha 46 anos.

23 – Tomas Dangi – Natural de Ise, tinha uma farmácia em Osaka. Foi Leon Karasumaru que o levou ao catolicismo e fez parte da primeira turma de missionários da Francisco Kai. Diziam que ele tinha um grande senso de justiça. Tinha 36 anos.

24 – João Kinuya – Natural de Kyoto, era especialista em tecidos. Foi o irmão cristão que levou João a entender o cristianismo. Teve muito contato com os missionários estrangeiros, se interessou e foi batizado. Tinha 28 anos.

25 – Gabriel – Natural de Ise, foi convertido pelo padre Gonzalo e participava da Francisco Kai, onde passou a ajudar no trabalho junto aos missionários. Ao ver a sua dedicação, seus pais também se converteram cristãos. Tinha 19 anos.

26 – Paulo Suzuki – Natural de Owari, foi batizado aos 13 anos e participava da Francisco Kai e ajudava no hospital São João de Kyoto. Como atuava como intérprete, os missionários estrangeiros o ajudaram a se tornar um missionário. Tinha 49 anos.

Todas essas 26 pessoas foram crucificadas como Cristo e depois alvejadas por flechas. O xógun Hideyoshi queria, com isso, mostrar à população o que acontece com as pessoas que desobedecem às suas ordens e eliminar a possibilidade dos espanhóis virem a tomar o poder no país.

Em 1637, durante o período Edo, começou a revolta dos camponeses, na maioria cristãos, em Nagasaki, e o líder era um garoto católico “predestinado”. Tudo isso levou o cristianismo a ser totalmente proibido no Japão. Entretanto, quando uma missão européia visita o Japão, em 1865, encontra um grupo de “kakure Kuristan”, ou cristãos escondidos. A religião ficou escondida por 250 anos, mas continuou sendo praticada. Mas esses são assuntos para as próximas matérias!

Francisco Noriyuki Sato, jornalista, que viajou através da bolsa da JICA, Japan International Cooperation Agency

Fontes:
Museu dos 26 Mártires, Nagasaki
Nagasaki Heritage Guide Map 8
Rojoo no Hito “Pessoas da Rua”- Takashi Nagai

Próxima matéria: A verdade sobre Kakure Kuristan, os cristãos ocultos do Japão

 

 

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  14 Responses to “Quem são os 26 santos japoneses da Igreja Católica”

  1. Por quê os nomes têm português e não são totalmente em japonês?

    • Esses japoneses cristãos foram batizados pela Igreja Católica e receberam esses nomes em português ou espanhol. No registro feito na ocasião dos fatos pelo padre Froes, só constam esses nomes e alguns nem possuem sobrenomes. Talvez ele mesmo não soubesse os nomes de todos, pois eles estavam em vários lugares do Japão. Uma curiosidade: na identificação das ossadas, feita bem depois, constam os mesmos nomes em latim. Por exemplo, Luis está Ludovicus.

      • obrigada pela explicação…uma história interessante e bastante curiosa. Nunca pensei que houvessem mártires cristãos no Japão! Pena não haver muito material a respeito.

      • Muitos não tinha sobrenome, pois na época quem não era samurai, não tinha direito à sobrenome.

        • Sim, a maioria do povo japonês, principalmente camponeses não tinham direito a sobrenome, só os samurais. Com o crescimento da população camponesa, os governantes se viram na situação de conceder o direito dos camponeses em adotar um sobrenome, e assim, muitos sobrenomes de família foram definidos com base na localidade onde viviam, tais como, Yamashita que quer dizer “sopé da montanha”, Kawamura, Nakaoka, Kinoshita, etc.

          • O direito de “adotar” um sobrenome pelos camponeses foi também para facilitar o processo de cobrança e controle de tributos pelos governantes.

  2. Muito interessante a materia, eu gosto muito da cultura japonesa.

  3. Eu sabia que os japoneses usavam a crucificação como punição,porem não sabia de católicos naquele país;interessei-me pelo assunto após assistir Silêncio.

  4. Nossa, que interessante! Nem sabia disto e muitos nem deve saber também!!

  5. Assisti Silêncio e quis pesquisar sobre o cristianismo no Japão. Este site é muito bom encontrei todo o conteúdo histórico detalhado e fiquei impressionada com a precisão de informações tanto aqui quanto no filme que assisti, rs. Não fazia a menor ideia da perseguição e proibição da prática cristã, chega a ser chocante e fascinante ao mesmo tempo tanta história que não sabemos e podemos descobrir/aprender.

  6. Há Algumas imprecisões.
    O território Japonês não seria ameaçado pelos espanhóis, uma vez que segundo o tratado de Tordesilhas, ficava na parte portuguesa.
    Quanto ao medo dos japoneses era porque a palavra cristã estava a chegar ao povo, principalmente porque esta apregoava que éramos todos iguais e que somos todos irmãos.
    Quanto à nacionalidade de São Francisco Xavier o mesmo não era Espanhol era de Navarra e depois da conquista desta por Castela fugiu para o Vaticano naturalizou-se português.
    “Em Roma, Francisco de Xavier sente-se muito abalado pela conquista do Reino de Navarra pelo Reino de Castela. É nessa altura que o rei de Portugal D. João III, por intermédio do seu embaixador Pedro Mascarenhas, faz sucessivos apelos ao Papa Paulo III para que este lhe envie missionários para espalhar a fé cristã pelos territórios descobertos pelos portugueses. Dom João III é aconselhado entusiasticamente pelo director do Colégio de Santa Bárbara, Diogo de Gouveia, a chamar para os Reino de Portugal os jovens cultos e inteligentes da Companhia de Jesus e pede assim ao embaixador de Portugal em Roma que sonde o grupo. Inácio de Loyola escolhe Simão Rodrigues e Nicolau Bobadilla para essa missão, mas Bobadilla fica doente e Francisco é nomeado seu substituto,[6][7] e chega a Portugal em 1540.
    Francisco de Xavier parte de Lisboa para a Índia no ano seguinte, a 7 de Abril, acompanhado de outros dois jesuítas, Francisco de Mansila e Paulo Camarate. Partem a bordo da nau S. Diogo, a nau capitânia das cinco naus da frota comandada por Martim Afonso de Sousa, que ia tomar posse do cargo de governador na Índia.
    Em agosto ancoraram junto da ilha de Moçambique. Devido a enorme quantidade de doentes de escorbuto na frota, que impediram a continuação regular da viagem, as naus permaneceram ali durante seis meses. Francisco dedicou o seu tempo ao auxílio e tratamento dos doentes. Tendo-se feito de novo ao mar, a nau voltou a aportar em Melinde. Aí, Francisco de Xavier conseguiu de imediato converter alguns africanos, e desejou por força lá permanecer, ao que não foi autorizado por Martim Afonso de Sousa, por essa decisão ser contrária às instruções do Rei.
    A nau Santiago ancorou em Goa, a então capital do Estado Português da Índia, a 6 de maio de 1542.
    Alcançaram o Japão a 27 de julho de 1549, mas só a 15 de agosto é que foram autorizados a aportar em Kagoshima, o principal porto da província de Satsuma, na ilha de Kiushu. Foi recebido amigavelmente e ficou hospedado pela família de Angiró até outubro de 1550. Entre outubro e dezembro desse ano, residiu em Yamaguchi. Pouco antes do Natal, partiu para Quioto, mas não conseguiu autorização para visitar o imperador. Regressou a Yamaguchi em março de 1551, onde o daimio daquela província o autorizou a pregar. Contudo, faltando-lhe a fluência na língua japonesa, teve de se limitar a ler alto a tradução do catecismo feita com Angiró.
    Francisco teve um forte impacto no Japão, tendo sido o primeiro jesuíta a lá ir em missão. Levou com ele pinturas da Virgem Maria e da Virgem com Jesus. Estas pinturas ajudaram-no a explicar o Cristianismo aos japoneses, já que a barreira de comunicação era enorme, visto o japonês ser uma língua diferente de todas as que os missionários tinham até aí encontrado.

    • Agradecemos por completar o nosso texto oferecendo ricos detalhes históricos. Entretanto, observo alguns detalhes que me parecem importantes: 1 – O Tratado de Tordesilhas, celebrado entre Portugal e Espanha valeu para dividir a América, entretanto, não foi obedecido na Ásia. Prova disso são as Ilhas Filipinas, que estão numa área que deveria pertencer a Portugal, porém, fez parte do Império Espanhol por mais de 300 anos. Justamente essa colonização das Filipinas é a causa do temor dos japoneses. 2 – a palavra cristã pregava que somos todos iguais? A palavra pregava, mas os padres viajavam acompanhados de escravos africanos. Um deles até desfilou sobre um elefante indiano pelas ruas de Kyoto com três escravos a pé. Os escravos mereciam esse tratamento se todos os seres humanos são iguais? Nessa época, a Europa não considerava os não brancos como iguais. Por isso, os ensinamentos cristãos não assustaram os governantes japoneses, mas o risco de se tornarem escravos assustavam.

      • Muito bom o seu estudo, obrigado por compartilhar. Passei a me querstionar quanto à religião ao compreender os caminhos com que ela é imposta aos vencidos, escravizados e passa a ser fundamental nas relações sociais.

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