O evento existe há 60 anos, mas pouca gente sabe o que é, e mesmo aqueles que já participaram não costumam relatar o que viram. Por isso, resolvi escrever, como jornalista e como um dos palestrantes do evento.
O que é Convenção dos Nikkeis e Japoneses?
O primeiro evento, realizado em 1957, foi uma forma de agradecimento pela ajuda que os nikkeis do mundo inteiro enviou para o Japão destruído pela Segunda Guerra Mundial. Entre 1946 a 1952, as doações chegaram ao Japão por intermédio da LARA (Licensed Agencies for Relief in Asia), uma organização cristã, que conseguiu autorização para transportar os mantimentos, uma vez que não se podia enviar nada ao Japão nessa época. A ajuda somou 40 bilhões de ienes (no valor da época), em 1952, e 20% do montante foi enviado pelas comunidades nikkeis do mundo. Em 1956, com a adesão do Japão às Nações Unidas, tudo estava voltando à normalidade, e os estadistas da época resolveram mostrar um gesto de gratidão pela ajuda recebida, com a organização da Confraternização dos Nikkeis do Exterior. Em 1960, o evento ganhou o nome atual e passou a ser realizado todos os anos a partir de 1962.
Quem organiza a Convenção dos Nikkeis?
Em 1956, não havia no Japão entidades ligadas aos japoneses e descendentes do exterior, excetuando o Escritório de Comunicação dos Nikkeis do Exterior, que acabou centralizando os esforços para a realização da Confraternização de 1957. Em 1964, na quinta convenção, a presidência do Escritório (Associação) dos Nikkeis foi assumida pelo governador de Tóquio, que também era presidente da Associação Nacional dos Governadores. E desde então, todos os presidentes da Associação dos Nikkeis são presidentes da Associação dos Governadores, conseguindo assim apoio para angariar verbas em todas as províncias do País. Em 1967, a entidade passou a se chamar Associação Kaigai Nikkeijin Kyokai. Além da Convenção dos Nikkeis, essa entidade organiza, junto com a Jica, a recepção de bolsistas do mundo inteiro, administra o Museu da Migração de Yokohama (no prédio da Jica), e tem um serviço de atendimento aos trabalhadores nikkeis no Japão, entre outras atividades. É mais fácil entender lendo o mangá do link: http://www.jadesas.or.jp/pt/about/conheca-a-historia-da-associacao-kaigai-nikeijin-kyokai-atraves-do-manga.html
Como foi a 60ª Convenção dos Nikkeis e Japoneses no Exterior
O evento foi realizado em três dias, de 1 a 3 de outubro de 2019, em Tóquio. No primeiro dia, 182 japoneses e descendentes de 19 países e 150 japoneses residentes no Japão participaram da cerimônia de abertura, que teve início pontualmente às 15h30, no salão do Kensei Kinenkai (Museu do Parlamento). Antes, o representante do Havaí proferiu palavras de abertura, o ex-ministro da Terra, Infraestrutura, Transportes e Turismo, e atual vice-ministro chefe de gabinete, Akihiro Nishimura, representando o primeiro-ministro Shinzo Abe, e o brasileiro Renato Ishikawa, presidente da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social foram anunciados para tomarem seus lugares. O casal Imperial, Imperador Naruhito e Imperatriz Masako, são recebidos sob longos aplausos. Geralmente, um membro da família Imperial participa da abertura, porém, este ano, como se tratava da 60ª, a Convenção recebeu essa honrosa presença.
Kamon Iizumi, presidente da Associação Kaigai Nikkeijin Kyokai, que é governador de Tokushima, lembrou que, como governador, mantém contato com as associações nikkeis do mundo todo e que sua província é conhecida pelo Awaodori. 150 anos após os primeiros imigrantes se estabelecerem em Havaí, vários países receberam os japoneses, que se caracterizavam valorização da educação, e essa é uma característica da cultura japonesa. Hoje, são quase 3 milhões de nikkeis. Iizumi afirmou que a primeira Convenção foi para agradecer os japoneses e descendentes que moravam no exterior e ajudaram na fase difícil do pós-guerra.
Akihiro Nishimura leu a mensagem do primeiro-ministro Shinzo Abe, que agradeceu a presença dos japoneses e descendentes que moram fora e estão participando do evento. Em sua mensagem relatou que visitou vários países e viu que os nikkeis são bem sucedidos em seu país, e não esqueceram os valores herdados de seus pais.
Renato Ishikawa agradeceu o apoio do Japão à comunidade nikkei do mundo inteiro. A maior delegação estrangeira no evento foi a brasileira. Foram 60 brasileiros. Os Estados Unidos levaram o segundo maior grupo, com 38 pessoas (sendo 18 somente do Havaí). México veio em seguida com 24, e o Peru com 12. Canadá 8, Indonésia 7, Argentina 6 foram outros grupos. Outros participantes vieram de: Bolívia, Paraguai, Chile, Cuba, República Dominicana, Colômbia, Austrália, Filipinas, Singapura, França, Holanda e Inglaterra.
Um vídeo com a história do evento foi apresentado sendo seguido por mensagens dos nikkeis, também em vídeo (a minha mensagem foi exibida, e muito aplaudida). Um rápido intervalo e às 16h30 começou a palestra do professor brasileiro Ângelo Ishii, que mora no Japão desde 1990.
A comunidade brasileira no Japão
Ângelo Ishii começou explicando que antes se considerava um sansei de kaigai nikkeijin (japonês que mora no exterior), mas hoje se afirma um issei de taizai nikkeijin (descendente de japonês estabelecido no Japão). O professor apresentou os números do Ministério da Justiça de dezembro de 2018, onde consta a existência de 265.214 sul-americanos morando no Japão, sem incluir aqueles que ganharam a nacionalidade japonesa. Desse total, 201.865 são brasileiros, 48.362 são peruanos, 5.907 são bolivianos, 2.933 são colombianos, 2.428 são argentinos, 2.010 são paraguaios e 1.629 de outros países. Com a Lei de Imigração de 1990, o nikkei ganhou status diferenciado como estrangeiro, mas é difícil determinar com exatidão a data em que começou a imigração dos nikkeis para o Japão (fenômeno conhecido como “decasségui”), pois, ao contrário da imigração do início do século passado, o transporte não acontece mais em grandes grupos de navio. Sabe-se que os primeiros, que chegaram por conta própria, eram isseis, ou seja, nascidos no Japão e radicados no exterior. Eles começaram a “retornar” antes da década de 1980. Antes da Lei de 1990, eram os nascidos no Japão e os nisseis com visto de turista. Todos, no início, se preocupavam em ganhar dinheiro para enviar para o seu país, para ajudar sua família. Era o chamado “decasségui”. Bancos disputavam essas remessas (os maiores bancos tinham mais filiais no Japão do que nos Estados Unidos), surgiram lojas e restaurantes para brasileiros e jornais e revistas em português ou espanhol. Mais tarde, com os filhos nascendo e crescendo no Japão, muitos resolveram se instalar como imigrantes. Compraram casas e foram pedir visto permanente pensando em ficar para sempre no Japão. Se em 1998, apenas 2.644 brasileiros tinham visto permanente no Japão, em 2018 somaram-se 112.934 pessoas, embora isso não signifique que todas essas pessoas pretendam passar os restos dos seus dias no Japão. Hoje, muitos não querem mais se sujeitar ao trabalho pesado e sujo. Houve uma queda no número de nikkeis após a crise econômica japonesa que se seguiu à falência da Lehman Brothers nos Estados Unidos. Muitos perderam empregos e moradia na ocasião e muitos tiveram dificuldade para retornarem ao Brasil.
Em 2011, houve a tragédia do terremoto seguido de tsunami na região Tohoku (Nordeste), e aqui, muitos brasileiros do Japão foram ajudar nos rescaldos na área afetada. Levaram mantimentos ou foram ajudar no resgate dos sobreviventes, ou ainda foram tocar músicas brasileiras para alegrar os alojamentos para onde foram levadas as vítimas que perderam suas casas. O nikkei passou a participar como um integrante do Japão. Voluntários brasileiros foram os primeiros a chegarem na região atingida. Falta ao Japão entender que os nikkeis são uma comunidade presente no Japão e não são exatamente brasileiros.
Por fim, o professor Ishii falou sobre o fim da Era Decasségui e o início da Era dos Radicados no Japão, ou Zainichi Nikkeijin. Os nikkeis já criam empresas e contratam japoneses. Os brasileiros fazem cursos por correspondência morando no Japão e estão se graduando. São fatos pouco divulgados, mas refletem a evolução dessa comunidade radicada no Japão. O cantor Joe Hirata venceu o concurso nacional da TV NHK, retornou ao Brasil, faz shows para a comunidade, mas gravou e divulga a música country. Mas nem tudo são fatos positivos. Infelizmente, já houve até caso de um garoto brasileiro que foi assassinado por seus colegas por discriminação no Japão. Há também casos de crimes cometidos por brasileiros, mas não são muitos.
A palestra do prof. Ishii terminou às 17 horas, e logo em seguida o público foi conduzido para uma outra sala do mesmo estabelecimento, para o coquetel de boas vindas, que terminou às 19 horas.
Segundo dia – painéis de discussão
O segundo dia foi reservado para uma atividade mais intensa, com vários palestrantes e debates. Para quem não quis participar da programação desse dia, os organizadores deixaram a opção de fazer uma visita turística em Koedo, uma cidade que preserva o clima da antiga capital Edo. O tour saiu às 8h50 do hotel oficial do evento, o Monterey Hanzomon, e retornou às 17 horas direto para a recepção do final do dia.
A parte da programação da Convenção propriamente dita, foi realizada no edifício da JICA Ichigaya e começou às 10 horas, com a apresentação da primeira pauta do dia: Os 30 anos de experiência da comunidade nikkei no Japão. Aqui foram apresentados cases da experiência japonesa de receber os estrangeiros descendentes de japoneses. Kotaro Horisaka, professor da Sophia University e diretor gerente da Associação Kaigai Nikkenjin, foi o moderador. Yasuyuki Kitawaki, reitor da Escola Uminohoshi Gakuin e ex-prefeito da cidade de Hamamatsu, falou sobre a grande comunidade de estrangeiros na cidade e as festas realizadas por eles. Hideto Nagaoka, prefeito da cidade de Izumo, falou sobre o grande número de estrangeiros enquanto a população local está diminuindo. Rosa Mercedes Ochante Muray, professora da Faculdade de Educação da Universidade de St. Andrew, mora em Iga, Mie, onde 1/6 da população é estrangeira (a maioria é brasileira). Ela falou das dificuldades que as crianças enfrentam para aprenderem o idioma japonês, e muitas precisam de apoio especial para acompanhar as aulas, e também que o exame de admissão nos colégios é bastante difícil para um estrangeiro. Por último, Eriko Suzuki, professora da Faculdade de Literatura da Kokushikan University, falou que muitos pretendem continuar morando no Japão, e o governo não está conseguindo atender a todas as necessidades, embora conte com a ajuda de NPOs (Organização Sem Fins Lucrativos). Houve perda de emprego com a crise Lehman Shock de 2008, e muitos não conseguiram recolocação e retornaram ao seu país de origem, outros não estão conseguindo se entrosar com a sociedade japonesa. O debate foi encerrado às 12 horas para o almoço (um obentô) no próprio local.
Relatório da atual situação da comunidade nikkei
Participaram desse painel, que começou às 13 horas e terminou às 15h15, Satoru Sato, conselheiro do Ministério dos Negócios Estrangeiros e responsável pela comunidade latino americana, e o professor Alberto Matsumoto, CEO da Idea Networking Consulting. Aqui foram divulgados resultados de uma pesquisa realizada entre os nikkeis. Interessantes foram os dados de Cuba, uma vez que há poucas informações sobre a comunidade nikkei daquele país. São 1500 os nikkeis cubanos. Desses, 4% estudaram uma vez no Japão, a maioria com a bolsa da JICA. 12% deles já estiveram no Japão (como se trata de uma pesquisa realizada no meio de pessoas ligadas às entidades japonesas, esse percentual se refere apenas a 14 ou 15 pessoas). 62% participam de festas japonesas. Na Argentina, a mesma pesquisa revelou que: 16% já estudaram no Japão, e 62% já estiveram no Japão! (mais uma vez, trata-se de uma pesquisa seletiva realizada em entidades japonesas). 88% participam de eventos japoneses.
A segunda pauta da tarde contemplou o tema “Como transmitir a tradição através dos museus nikkeis?” O moderador foi Toshio Yanaguida, professor emérito da Keio University. Participaram Sherri Kajiwara, diretora do Nikkei National Museum Cultural Center, do Canadá; Mitsuko Kumagai, diretora geral do Museu de Migração da JICA de Yokohama; Alejandro Kasuga, do Museo de la Immigración Japonesa a México Akane; Abel Fukumoto, presidente da Asociación Peruano Japonesa; e Lidia Reiko Yamashita, presidente do Museu Histórico da Imigração Japonesa de São Paulo.
Sherri Kajiwawa apresentou o seu museu inaugurado em 2000, e que é mantido por doações de particulares e recebe apoio do governo do Canadá. Mitsuko Kumagai afirmou que o Museu da Migração de Yokohama visa preservar a história daqueles que foram morar no exterior, sua comunidade e seu desenvolvimento dentro e fora do Japão. Alejandro Kasuga explicou que o seu museu ocupa um espaço bastante pequeno, por isso, está se preparando para ser principalmente um museu digital, com acesso ao acervo pela internet. Esse museu é mantido pela Fundação Kasuga, que apoia projetos que tenham impacto na sociedade. Abel Fukumoto afirmou que os japoneses, antes mesmo da Segunda Guerra, nos anos 30 sofreram agressão no Peru, e durante a Segunda Guerra foram enviados para os campos de concentração nos Estados Unidos. Lidia Yamashita, do Brasil, falou sobre a inauguração do museu histórico em 1978 e sua evolução, e propôs que fosse realizado um simpósio específico sobre os museus nikkeis, e que o primeiro simpósio poderia ser realizado em São Paulo, em novembro de 2020. Essa ideia foi muito bem recebida por todos os participantes e por isso mesmo foi colocada nos termos da declaração conclusiva da 60ª Convenção. Depois de um intervalo de 10 minutos, começou a terceira pauta da tarde do segundo dia da Convenção.
Cooperação entre a sociedade nikkei – usando network e a identidade
O moderador dessa terceira parte foi o jornalista Yoshinori Nakai, diretor da Associação Kaigai Nikkeijin. Participaram o americano Michael Toshiro Omoto, engenheiro da empresa Mercari; o brasileiro André Saito, representante do Projeto Kakehashi Japão-Brasil; o brasileiro Francisco Noriyuki Sato, presidente da Abrademi – Associação Brasileira de Desenhistas de Mangá e Ilustrações; o indonésio Dimas Pradi, da Japan Indonesia Solutions, o brasileiro Rafael Hiroshi Fuchigami, doutorando no Tokyo College of Music; e a professora japonesa Michiko Sasaki, da J. F. Oberlin University.
Michael (Mike) Omoto já é da 4ª geração, yonsei, nos Estados Unidos. Formado em psicologia, depois estudou engenharia. Ele afirmou que no Japão não existem startups, aquelas empresas que começam do zero e se tornam grandes, embora o primeiro ministro Shinzo Abe tenha dito que quer 20 startups no Japão. Resolveu entrar na Mercari, justamente um negócio desse tipo, para trabalhar no Japão. Ele é a ponte de ligação entre os funcionários da empresa, pois 30 ou 40% deles só fala inglês. A empresa contratou engenheiros do mundo inteiro. Como voluntário, participou da Copani no Peru, e a Copani seguinte foi em São Francisco, cidade onde ele morava. Há muitos casos de nikkeis que fazem sucesso nas empresas, mas no Japão não se ouve falar deles. O Japão já foi líder em tecnologia, mas hoje a América Latina já superou em vários aspectos. Por exemplo, a Mercari foi o primeiro no mercado japonês e hoje existem mais três empresas do mesmo tipo. Na América Latina, a Mercado Livre, que oferece o mesmo que a Mercari, começou bem antes e hoje existem muitas empresas concorrentes.
André Saito falou do Kakehashi Project, que conta com o apoio da Associação Kaigai Nikkeijin e do Bunkyo do Brasil. Eles participaram do 59ª Convenção, que foi no Havaí, e lá tiveram a ideia de montar uma atividade que se trata de gestão de conhecimento. Trata-se de um compartilhamento de conhecimento em grupo. 1 – Storytelling – compartilhar e se conectar com a cultura ouvindo. 2 – Sense – palavras que representam a situação. Compartilhamento em grupos menores de 5 a 7 pessoas. 3 – Mapeamento do contexto –Um grupo de 40 pessoas coletam as palavras e escolhe as mais representativas. Alguns valores aparecem com mais frequência. Esse grupo realizou um evento para mais de 900 pessoas em São Paulo, no Dia Internacional do Nikkei e vem treinando facilitadores para continuar com o trabalho já realizado em diversas associações de nikkeis do Brasil.
Francisco Noriyuki Sato falou sobre o “Mangá e a Identidade Nikkei”. Começou falando dos pioneiros imigrantes no Brasil. Depois de se assentarem, ainda enquanto passavam dificuldades para sobreviverem, construíram escolas japonesas para que seus filhos pudessem estudar. Essas escolas eram também academias de judô, kendô e mais alguma coisa se alguém pudesse ensinar. Quando empresas japonesas começaram a adquirir grandes terrenos no Brasil, os japoneses já passaram a vir como proprietários de terra, formando uma cidade de japoneses. Ali existiam livrarias japonesas e a cultura pôde ser mantida. Isso ficou inviável com o início da Segunda Guerra Mundial, quando os livros, revistas e jornais do Japão foram proibidos. Mesmo os aparelhos de rádio foram confiscados das casas de japoneses, e as escolas tiveram que ser fechadas. Em 1953, no pós-guerra, foi inaugurado o Cine Niterói no bairro da Liberdade, e seguiram outras casas: Cine Jóia, Cine Nippon e o Cine Tokyo. Todos exibiam somente filmes japoneses e até os primeiros animês nas matinés. Como todos os filmes tinham que ter legenda em português, mesmo quem não entendia o idioma japonês podia assistir aos filmes. Mesmo assim, ainda era a cultura japonesa para japoneses e descendentes. Em 1964, a série de live-action National Kid foi exibida. Como a TV só exibia séries americanas, personagem japonês, quando havia, era sempre o vilão ou o cômico, nunca uma pessoa comum. E o National Kid, apesar de ser um garoto propaganda da empresa Matsushita Electric (Panasonic), apareceu como um herói com cara de japonês. Para uma criança nikkei da época, isso tinha um significado muito forte. Um herói japonês. Como tinha grande audiência, pois passava logo depois do campeão de audiência da época, que era o Programa Jovem Guarda, comandado pelo trio Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa, todas as crianças das casas que tinham TV sabiam desse herói. Depois, vieram outros heróis, como o Ultraman, Jaspion e Kamen Rider. E os animês japoneses, como Cavaleiros do Zodíaco, Sailor Moon e Dragon Ball, foram exibidos alcançando grande sucesso. Muitas crianças brasileiras, sem ascendência japonesa, passaram a ver o Japão com bons olhos depois dessas séries. E se hoje, as crianças levam os pais para comerem sushi e lámen, é graças aos animês e mangás. Outro ponto interessante na questão de identidade aparece nos nomes. Metade dos nikkeis da minha geração não possui nome do meio em japonês. No meu caso, Francisco Noriyuki Sato, Noriyuki é claro, é o nome em japonês. Sem ele, seria apenas Francisco Sato. Os pais da época, que eram isseis, em geral, diziam que seu filho não precisava do nome japonês, pois ele iria morar sempre no Brasil. Hoje, ao contrário, praticamente todos os yonseis e goseis (de quarta e quinta geração), mesmo sendo mestiços, possuem o nome em japonês. Muitos deles não possuem o sobrenome em japonês, mas mesmo assim colocaram o nome do meio em japonês. Vi um caso desses no Japão, numa reportagem que falava dos vencedores de um concurso de oratória do curso colegial. Três jovens foram as vencedoras, e uma delas era brasileira. Ela tinha ao todo seis nomes e sobrenomes, os sobrenomes eram em português, mas um dos nomes era em japonês. Sem isso não havia como identificar que era nikkei. Enfim, a preocupação em manter um nome japonês mostra o quanto se valoriza a parte japonesa. Muito diferente da década de 50 e 60, quando os pais da época podem ter crescido sofrendo preconceito do pós-guerra.
Dimas Pradi é um jovem muçulmano da Indonésia, nikkei da quarta geração, que mora no Japão. Ele explicou que o muçulmano tem uma rotina difícil, por exemplo, tem que rezar cinco vezes ao dia, e no ramadan há um regime de dieta, e que no Japão há algo parecido no budismo. Ele atuou como voluntário em eventos de Hamamatsu, onde vivem muitos estrangeiros, e fundou a Coffee House Campur. Hoje mora em Naha, Okinawa, com seus dois filhos. Como o local é turístico, atuou como intérprete para turistas, pois fala fluentemente o japonês. Aqui ele criou a Halal Kitchen Project, para fornecer produtos para a culinária muçulmana e conseguiu um espaço para isso em Shizuoka, e conseguiu ocupar espaços ociosos também em Shiga, onde cultiva soja e produz tempeh, que é um produto dietético à base de soja. Ele é representante da Japan Indonesia Solutions.
Rafael Fuchigami é um curioso caso de um nikkei, que praticava flauta no Brasil e não tinha contato com a cultura japonesa até conseguir uma bolsa para estudar no Japão. Hoje faz doutorado em música na Tokyo College of Music, e sua especialidade é o shakuhachi. Ele revelou que de 60 pessoas que tocam shakuhachi no Brasil, apenas 21 são nikkeis, tal a difusão desse instrumento musical na sociedade brasileira.
Michiko Sassaki falou da reforma de ensino do Japão, aprovado em junho de 2019, que inclui o ensino do japonês para estrangeiros. Antes, o ensino só contemplava os japoneses. Foi preciso fazer um abaixo assinado para que esse item fosse incluído. A Associação de Ensino do Japonês no Exterior conta com 300 associados, mas o abaixo assinado teve mais de 2 mil assinaturas.
Às 17h10 houve o intervalo para o café, e às 17h30 foi lida um rascunho da Declaração da 60ª Convenção dos Nikkeis, e às 18 horas foi encerrada a sessão, sendo os participantes conduzidos de ônibus para uma recepção oferecida pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros entre 18h30 e 19h30.
Terceiro e último dia – palestras de 5 minutos
O último dia do evento foi também no Kensei Kinenkai, como no dia da abertura. Nesse dia, a pauta foi ouvir o ponto de vista dos nikkeis em relação a Nova Era Reiwa e a comunidade nikkei. Os trabalhos tiveram início às 10 horas.
Sandy Chan, gerente geral do Japanese Canadian Cultural Centre falou sobre “Almejando o progresso da comunidade nikkei”. Masafumi Honda, professor da University of Hawaii at Hilo, falou do trabalho realizado na escavação de túmulos dos antigos imigrantes japoneses cobertos pela lava do vulcão, e o resgate dos valores a partir desse trabalho. Falou também da construção de um dohyo, a arena para a luta do sumô em Havaí. Hitoshi Itagaki, japonês residente no Canadá falou sobre a tecnologia que pode ser exportada para outros países, citando o caso de processamento de grãos de café, cujo trabalho foi desenvolvido em conjunto com uma universidade. Sachiko Kobayashi, do Havaí, disse que trabalha para divulgar as maravilhas do Japão no país onde reside. O pai dela, Kiyoshi Kobayashi, foi um grande mestre do judô em Portugal, país onde ela chegou a morar e estudar. Derek Kenji Pinillos Matsuda é um peruano residente no Japão. Professor da Ochanomizu University Internacional Education Center, Derek falou sobre o aspecto multicultural do nikkei. Por fim, o engenheiro Alexandre Kawase, sansei do Brasil, falou sobre o Kakehashi Project. (Projeto Geração).
Às 10h45, começaram as apresentações dos nikkeis que moram no Japão. Kaiki Okuyama, de 15 anos, estudante do 3º ano ginasial na Escola Opção, mora em Ibaraki e falou sobre “Eu, dez anos depois”. Vinícius Hamaya, brasileiro, também de 15 anos, que estuda o primeiro colegial na Escola Opção, falou sob o mesmo tema. Megumi Yamanouchi P. Mallari, das Filipinas, estudante da Sophia University, discorreu sob o mesmo assunto. Luis Alberto Asato Torres, peruano, estudante de doutorado da Tokyo University of Agriculture e Technology, falou sobre se tornar uma pessoa internacional, educada e conectada com as pessoas. O curioso é que ele nasceu no Japão em 1999. Quando foi visitar o Museu da Migração de Yokohama, aos 10 anos de idade, se sentiu um nikkei e passou a dizer que era um nikkei peruano.
Após as apresentações, o Presidente Executivo da Associação Kaigai Nikkeijin Kyoukai, o ex-embaixador Katsuyuki Tanaka, teceu comentários sobre cada uma das apresentações desses jovens nikkeis. Em seguida, a versão final da foi lida para o público e aprovada por unanimidade (clique no texto ao lado para ler – versão em inglês). O almoço de despedida foi oferecido pelo presidente da Câmara dos Deputados e terminou às 13 horas.
Assim foi a 60ª Convenção de Nikkeis e Japoneses no Exterior, realizado em Tóquio, em 2019.
Meu comentário pessoal:
Nota-se a preocupação dos japoneses em relação à adaptação e o bem-estar dos nikkeis que moram e trabalham no Japão. Metade desse evento abordou o tema dos que foram como decasséguis e de seus filhos. Na outra metade, falou-se sobre o quê os nikkeis estão fazendo para preservar a cultura japonesa.
Embora não haja uma pesquisa, e isso deveria ser levantado, os nikkeis compõem uma camada privilegiada da população mundial. Possuindo duas culturas, consegue ter ideias diferentes da convencional. Creio que em termos de escolaridade, os nikkeis na média estudam muito mais do que os seus colegas não nikkeis. Em geral, se formam em universidades e muitos continuam estudando por muitos anos. Os nikkeis que possuem curso superior completo devem somar 60% de todos os nikkeis, um índice altíssimo, semelhante ao do Japão. Mesmo em termos de renda, não devem estar abaixo da média dos japoneses, que hoje trabalham muito e ganham pouco.
A impressão geral do evento é de confraternização. Há momentos mais solenes, como na abertura com a presença do Casal Imperial, mas em geral prevalece um clima descontraído entre os participantes. É interessante que uma pessoa que sempre morou nos Estados Unidos e uma outra que mora nas Filipinas ou no Brasil tenha tantas coisas em comum, pelo fato de serem nikkeis. Eu acho que todos os descendentes deveriam participar, para conversar e compartilhar nossas experiências tão ricas com outros nikkeis.
Duas semanas depois do final do evento, eu recebi um formulário para fazer comentários. Creio que todos os participantes tenham recebido. Eu sugeri que a cada ano se escolhesse um país participante, para que ela possa apresentar sua cultura, expor suas artes e produtos mais típicos para todos conhecerem. Como é um evento com uma grande presença da mídia, seria também uma propaganda dos produtos daquele país. Poderia também reservar os dois almoços para servir alimentos típicos daquele país. Por exemplo, se o Brasil for escolhido, mandioca frita, tapioca, pão de queijo, pastel, suco de goiaba, de maracujá, de acerola num dia. No outro dia poderia ser feijoada e caipirinha. Isso seria cobrado dos participantes para pagar as despesas do material e de transporte. Seria uma atração a mais para o evento. Sei que dá bastante trabalho, mas se são 19 países, o trabalho será uma vez a cada 19 anos.
Há coisas que podemos fazer para ajudar o Japão. Sim, ajudar o Japão, mas esse é um outro assunto para uma outra matéria. Obrigado por ter lido até aqui!
Francisco Noriyuki Sato – Jornalista e professor de História do Japão.
Gostei do relatório.
Arigatou, Nelson.
Relatório muito bem elaborado
Muito interessante. Quero fazer parte.