Ofurô e Onsen
É difícil imaginar que hábito tão simples como tomar banho possa ser carregado de influências culturais. a ponto de ter sido um conceito conflitante no passado. quando os primeiros imigrantes japoneses.
Acostumados a banhos de imersão bem quentes. devem ter estranhado o uso de chuveiros, ou ainda com os banhos de bacias ou baldes. Ainda hoje. essas influências culturais se revelam acidentalmente na forma de gafes. Quando turistas no Japão resolvem fazer uso ocidental de um banho à japonesa, se ensaboando dentro d’água e poluindo a banheira.
Para entender como um simples banho possa refletir uma cultura, precisamos primeiro conhecer como esse hábito evoluiu de formas distintas, no ocidente e no Japão.
Ofurô
Uma tina funda ou banheira chamada furô (ofurô) com água bem quente, a aproximadamente 40 graus Celsius. Fora dela, ensaboar e enxaguar com água fria. Já com o corpo limpo, mergulhar na água quente e ficar lá por uns 10 minutos. Depois disso, nada melhor do que um pouco de chá e descanso.
Não se sabe ao certo desde quando os japoneses repetem esse ritual. Seja em casa ou em banhos públicos chamados de sentô, o banho faz parte do cotidiano dos japoneses há séculos.
Equilíbrio é a palavra-chave para entender porque os japoneses tomam banho dessa forma. Num país onde os recursos naturais sempre foram escassos e a população proporcionalmente alta para o território disponível, o uso racional dos recursos garante a todos os benefícios da higiene pessoal. Quando os japoneses se lavam com água fria fora da banheira, eles estão conseguindo se lavar usando o mínimo de água limpa corrente, além de baixar a temperatura do corpo. Entrando com o corpo limpo na banheira de água quente, eles permitem que a mesma água possa ser usada por outras pessoas outras vezes, dando ao corpo um choque térmico e abrindo os poros da pele. Higiene máxima com mínimo desperdício de água.
Para os japoneses, tomar banho é algo que se faz sozinho, ou em família, ou no meio de outras pessoas – tanto faz. Nos sentô, normalmente há banheiras separadas para homens e mulheres. Nos balneários naturais chamados onsen, isso já não é uma regra, uma vez que a natureza não faz fontes de acordo com a conveniência humana. Nos onsen, homens e mulheres, crianças e idosos podem entrar juntos na mesma fonte. Em alguns onsen há até macaquinhos selvagens que aprenderam a fazer o mesmo e tomam banho regularmente. Espertos, esses macacos passam parte do inverno nadando no quentinho.
Água Vulcânica País
Formado por ilhas vulcânicas, o Japão possui várias regiões onde água sulfúrica quente brota das rochas, e que por isso viraram tradicionais regiões turísticas. As mais conhecidas são as regiões de Hakone, na península de Izu; Kusatsu, na província de Gunma e Beppu, na província de Oita.
A península de Izu é uma estreita faixa de terra que se projeta sobre o Pacífico aos pés do Monte Fuji, não muito distante de Tóquio. Na região nordeste da península fica a cidade de Hakone, cercada por vales, montanhas, lagos e densa vegetação.
Na Era Edo (1603 – 1868). Hakone era uma das paradas da Rota de Tokaido, a estrada que ligava a antiga capital imperial, Kyoto, e a sede do shogunato, Edo (atual Tóquio). Foi nesse período que a cidade se desenvolveu, por ter se tornado importante posto fiscal do shogunato, onde também se fazia o controle de quem entrava e saía de Edo. Com 30 balneários de água quente natural, a região de Hakone atraiu não só o turismo como também, devido a sua proximidade de Tóquio, elegantes residências de veraneio dos ricos e famosos.
A cidade de Kusatsu, na província de Gunma, é conhecida como balneário turístico desde o séc. XIII. Dispondo de 18 balneários públicos gratuitos, Kusatsu hoje é parte do Parque Nacional Joshin’etsu Kogen. Há séculos, pessoas se banham com as águas ácidas das nascentes da região para tratar de nevralgia e doenças de pele. Nas termas de Kusatsu ainda se controla a temperatura da água, que é muito quente, pela prática do yumomi. O yumomi consiste em vários funcionários que ficam em pé na beira das enormes banheiras, mexendo vigorosamente a água com remos de madeira compridos, para baixar a temperatura com o ar. Caso água fria fosse misturada à água quente sulfúrica para baixar a temperatura, as propriedades naturais curativas das termas diminuiriam devido à diluição, e por isso ainda se faz uso do trabalhoso mas eficaz método do yumomi.
Ao sul, na província de Oita, encontra-se o maior spa do Japão. Com 2.849 fontes naturais e nove tipos diferentes de águas divididas em 8 regiões conhecidas como Beppu Hatto (As Oito Termas de Beppu), a cidade de Beppu se desenvolveu como centro turístico a partir da Era Meiji (1868 – 1912), quando as ferrovias permitiram um maior fluxo de pessoas para a região. Atualmente, Beppu recebe 4 milhões de turistas por ano que vêm desfrutar de suas esfumegantes águas, ou ainda se enterrar nas quentes areias vulcânicas de suas praias, às quais são atribuídas propriedades medicinais.
As Águas do Dr. Baelz
Curiosamente, foi um europeu que pesquisou e difundiu no Japão as propriedades terapêuticas dos banhos de imersão nos onsen. O Dr. Erwin Baelz nasceu no povoado de Bietigheim, no antigo reino de Würtemberg, atual sul da Alemanha, em 1849 e se formou em medicina na Universidade de Tübingen, tendo servido ainda jovem como médico na Guerra Franco-Prussiana (1870-71). Depois da guerra. Baelz foi para a Universidade de Leipzig, onde especializou-se em patologia, conquistando o doutorado em 1876. Em janeiro daquele ano, Baelz conheceu o representante do governo japonês em Berlim, fechando um contrato para lecionar na futura faculdade de medicina da Universidade de Tóquio, que seria criada no ano seguinte.
Com o fim do sistema do xogunato e a política expansionista imperial do ocidente no oriente, o governo da Era Meiji (1868 – 1912) realizou um intenso processo de modernização e ocidentalização. Com esse raciocínio, criou-se a política de trazer professores e técnicos ocidentais de todas as áreas. para que os japoneses pudessem aprender e atualizar-se com o ocidente. Foi nessa situação que o Dr. Baelz chegou em junho de 1876 em Tóquio.
O Dr. Baelz viveu 29 anos no Japão, tempo suficiente para se transformar no pai da moderna medicina japonesa, que antes dele se baseava quase totalmente na medicina tradicional chinesa. Casou-se com uma japonesa. com quem viveu até falecer. Ele se aposentou da Universidade de Tóquio em 1902 e tornou-se médico particular do Imperador, embora já viesse cuidando de membros da Família Imperial anos antes. Quando voltou em junho de 1905 para a Alemanha com sua mulher e filho, o Dr. Baelz foi o último de sua geração de professores estrangeiros a fazê-Io. e foi condecorado Cavaleiro pelo Rei, passando a se chamar Erwin von Baelz.
O nome do Dr. Baelz tornou-se especialmente popular no Japão devido a um remédio criado por ele, que foi receitado de graça pela primeira vez para uma criada de um hotel na estância de Hakone, cujas mãos ele reparou estarem muito ressecadas e rachadas. Esse remédio, uma loção glicerinada, tornou-se popularmente conhecido como berutsu mizu (água Baelz), e é ainda hoje encontrado nas farmácias. Outra importante contribuição do Dr. Baelz foi feita na área da antropologia, por ter pesquisado e identificado cientificamente a “mancha mongol” (em alemão, Mongolnflecke). uma mancha arroxeada que aparece nas costas dos bebês japoneses e de outros povos asiáticos quando nascem, e que vai diminuindo até desaparecer entre 7 ou 8 anos de idade.
Mas talvez a mais popular das contribuições do Dr. Baelz foi a introdução da balneoterapia no Japão, o tratamento de doenças através do banho em águas minerais.
Em 1884 ele publicou um estudo que fundamentou a balneoterapia no Japão e aplicava seus tratamentos em Kusatsu, onde há séculos os japoneses já apreciavam os banhos agora orientados pelo doutor. Até hoje, para calcular o tempo certo que precisam ficar mergulhadas, as pessoas cantam determinadas músicas populares da região.
Tal foi a dedicação do Dr. Baelz a Kusatsu que atualmente há um acordo de cidades-irmãs entre o balneário japonês e a cidade onde o Dr. Baelz nasceu na Alemanha, Bietigheim. Em ambas foram erigidos monumentos em agradecimento ao doutor da água..
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