jun 062024
 

Uma homenagem às escolas femininas da comunidade nipobrasileira: as Saihou Gakkou (escolas de corte e costura), as Biyouin (escolas de estética, de cabeleireiras) e as Kappou Gakkou (escolas de culinária)

Palestra proferida por Cristiane A. Sato no Pavilhão Japonês do Parque do Ibirapuera pelo Dia Internacional da Mulher, em 10 de março de 2024. Dividimos em capítulos aqui no site para facilitar a leitura.

INTRODUÇÃO

Nesta apresentação, falarei de um assunto pouco divulgado, mas que entendo ser um importante aspecto da história da vida privada da imigração japonesa no Brasil. É uma história que tive o privilégio de conhecer através de pessoas que viveram essa época, e através delas pude testemunhar o resultado daquilo que foi o fenômeno da Educação Feminina Japonesa no Brasil, que marcou gerações de mulheres e suas famílias.

Por ser a primeira vez que trago este assunto ao público, gostaria de agradecer à Celina Yamao, organizadora deste evento em homenagem ao Dia Internacional da Mulher no Pavilhão Japonês do Parque do Ibirapuera. Há alguns anos tento falar sobre a Educação Feminina Japonesa no Brasil, mas esta é a primeira vez que me dão de fato uma oportunidade de expor essa história, que acredito que surpreenderá vocês e trazer lembranças familiares para algumas de nós. Por isso, e por entender o valor das mulheres na prática e transmissão da cultura japonesa no Brasil, reitero meus agradecimentos aos administradores do Pavilhão Japonês, especialmente à Celina e ao Cláudio Kurita da Japan House de São Paulo, por organizarem este evento.

Só é possível entender a importância e o impacto da Educação Feminina Japonesa no Brasil se entendermos as condições de vida da época em que as escolas femininas da colônia surgiram, quase 100 anos atrás. Não é possível entender as limitações, o estilo de vida e os valores da geração de nossas avós e bisavós partindo das referências do modo de vida que temos hoje. Por isso, gostaria que observassem esta foto (slide 2: reunião de família de imigrantes japoneses no interior de São Paulo, 1930).

 COMO ERA A VIDA 100 ANOS ATRÁS

As pessoas desta família estão reunidas em torno de uma mesa grande montada fora da casa, são todos jovens e há bebês. É provavelmente uma celebração de Oshõgatsu (Ano Novo), estão todos usando as melhores roupas, uma elegante toalha branca na mesa, e apesar dos sorrisos e do registro de um momento feliz, a casa feita de troncos ao fundo, pequena e sem acabamento, e o sítio isolado indicam que a vida diária não devia ser nada fácil.

Basta observar que, naquela época, coisas que hoje consideramos imprescindíveis para o nosso dia a dia e até mesmo para a civilização contemporânea, não existiam (slide 3): Internet, smartphones, redes de lojas de roupas de preço acessível prontas para usar (fast fashion), de hipermercados, comida pronta, serviços de entrega rápida, forno de micro-ondas, medicamentos eficientes e vacinas disponíveis em farmácias. Imaginem ter que acender um fogão a lenha para esquentar um prato de comida, ou tomar banho em grandes latões com água esquentada sobre fogueiras ao ar livre, calçando guetás (sandálias de madeira japonesas) para não queimar os pés. Assim era a vida dos imigrantes no interior de São Paulo e do Paraná. Mesmo eletricidade e água corrente eram coisas que só haviam em poucos bairros privilegiados nas grandes cidades.

Em suma, a vida em 1930 era difícil e incerta. Doenças hoje praticamente erradicadas eram comuns, a mortalidade infantil era alta e até adultos eram afetados por surtos de varíola, sarampo, meningite, tuberculose e poliomelite. A expectativa média de vida para os homens era de 55 anos e era comum ver viúvas lutando para criar filhos pequenos sozinhas. Não havia seguridade social ou aposentadoria pelo INSS. Quase nada podia ser comprado pronto e por isso a vida era difícil e trabalhosa na cidade, e mais ainda no campo. Viver era uma grande incerteza por todos esses fatores, e no caso dos imigrantes japoneses havia um fator que aumentava as incertezas: os casamentos eram por Omiai, casamentos arranjados entre famílias (slide 4).

AS MULHERES NO JAPÃO DO PERÍODO MEIJI

No Japão desde o Período Meiji (1868~1912), no início do processo de modernização do país em moldes ocidentais, preconizou-se a importância da Educação Feminina. Não apenas os homens, mas as mulheres também precisavam obter conhecimentos técnicos sobre o modo de vida ocidental para que a sociedade japonesa se modernizasse e se tornasse competitiva com as nações industrializadas. Éditos imperiais autorizaram a criação de escolas femininas e jovens estudantes se tornaram a imagem da emancipação e da mulher moderna no Período Meiji (slide 5). Sob o ideal de criar uma sociedade melhor a partir da família, mulheres no Japão passaram a estudar para se prepararem para enfrentar as incertezas da vida, para terem uma profissão seja por aptidão ou por necessidade, mas também para serem boas mães e donas de casa. Para isso era preciso que administrassem a casa e a família como se fosse uma empresa, ou extensão da profissão do marido, um hábito que existe desde o Período Edo (1603~1867) principalmente nas famílias de shokunins (artesãos) e shõnins (comerciantes).

Um exemplo desse esforço pode ser visto nesta gravura ukiyo-e de 1887 chamada Kijo Saihou no Zu (Mulheres da Nobreza Praticando Costura) (slide 6), que retratou damas da corte do Período Meiji em trajes ocidentais aprendendo costura ocidental no Rokumeikan, um palacete construído em Tóquio onde a elite japonesa praticava cultura e etiqueta social ocidentais. É importante observar que na época as mulheres das elites no ocidente eram muito ociosas e, raramente, praticamente nunca, aprendiam a costurar, vendo isso como profissão para gente simples. Mas as aristocratas japonesas fizeram um enorme esforço de aprendizado (reparem que a dama na esquerda da imagem está fazendo uma casaca masculina, uma peça de alfaiataria complexa). As damas da nobreza japonesas, que tradicionalmente sempre se dedicaram à produção cultural e artística, se chocavam com a ociosidade das elites ocidentais. Assim, seguindo os ideais de modernização do governo Meiji, passaram a se dedicar a atividades técnicas que implicavam em aprendizado prático e de adaptação ao ocidente. Técnicas de corte e costura estilo ocidental (yõsai – porque existe a técnica de corte e costura japonesa, wasai, ainda hoje usada na confecção de quimonos) e o uso de máquinas de costura fez parte desse aprendizado técnico de ocidentalização. Naquela época, o fato de ter uma máquina de costura e usar vestidos ocidentais era um luxo que apenas moças da nobreza e filhas de banqueiros e ricos industriais podiam ter.

UMEKO TSUDA: EDUCADORA PIONEIRA

Uma dessas aristocratas pioneiras foi Umeko Tsuda, mulher cuja biografia por si só merece uma palestra específica por ter sido a integrante mais jovem da Missão Iwakura ao exterior, aos seis anos de idade (slide 7). A Missão Iwakura foi uma expedição de quase 2 anos organizada pelo Governo Meiji para pesquisar literalmente todos os aspectos da vida pública e privada da civilização ocidental. As informações obtidas por essa missão foram a base para que o governo japonês decidisse quais aspectos institucionais, tecnológicos e sociais do ocidente, devidamente adaptados à realidade japonesa, seriam aplicados na modernização do Japão. Quando a Missão Iwakura esteve nos Estados Unidos, Charles Lanman, Secretário do Governo Americano para a Delegação Japonesa, e sua esposa adotaram a pequena Umeko como filha. Educadora formada nos Estados Unidos, onde passou a infância e a juventude, Umeko Tsuda foi pioneira da educação feminina e fundadora da primeira universidade feminina do Japão, a Universidade Tsuda, que existe até hoje.

No início do século 20, a educação era muito cara e por isso vista mais como um privilégio do que uma necessidade, sendo que para as mulheres a educação era considerada um luxo desnecessário. Tsuda entendia que a modernização japonesa seria inócua se as mulheres não tivessem acesso a uma educação que as preparassem para a vida e para o futuro desafiador que se abria para o Japão. Assim, ela preconizou uma formação pragmática para as mulheres e estabeleceu preceitos de economia doméstica, que se popularizaram através do ensino público e que são ensinados até hoje nas escolas de nível médio. Através da economia doméstica, as educadoras japonesas transmitiram conhecimentos práticos para gerações de jovens mulheres poderem gerir as próprias vidas, casas e famílias com eficiência, preparando esposas e mães gestoras de lares e negócios no sentido mais preciso da palavra “economia” (cuja origem etimológica em grego significa “as regras da casa”). Em reconhecimento à visão e ao impacto profundo e duradouro do trabalho de Tsuda, o Governo Japonês a partir de 2025 emitirá em sua homenagem a nova série de notas de 5 mil ienes com a efígie da educadora pioneira do Período Meiji.

Considerando que a regra dos casamentos na sociedade japonesa eram pelo Omiai, da mesma forma que a família do noivo procurava apresentar o próprio filho como “um bom partido” sob o aspecto pessoal e profissional, a família da noiva procurava em contrapartida apresentar a filha como uma companheira ideal, devidamente preparada para apoiar o marido, gerar filhos, organizar uma casa e cuidar de tudo relacionado aos afazeres da vida diária: alimentação, vestuário, higiene, pagamento de contas, etc., para que o marido pudesse de dedicar quase que totalmente a sua profissão. Num mundo e numa época nos quais não existiam as comodidades que hoje desfrutamos, a vida adulta começava muito cedo: em média aos 20 anos de idade, homens e mulheres já estavam casados e formando suas próprias famílias. Haviam muitos avós na faixa dos 40 anos de idade, e bisavós aos 55 anos. Como todos viam a vida como algo curto e muito incerto, as gerações que nos antecederam procuravam atingir a maturidade social o quanto antes e a velhice era uma conquista de poucos.

Uma mulher educada no Japão significava que ela, além de saber ler e escrever, sabia fazer contas usando o soroban (ábaco japonês), produzir roupas para toda a família e têxteis para a casa, cozinhar e processar alimentos (principalmente fazer conservas, estratégico numa época em que não haviam geladeiras), tinha noções de higiene e de enfermagem (para cuidar de bebês e doenças na família) e era autodisciplinada. Redigir diários, ter conhecimentos de literatura, artes e bons modos eram características muito valorizadas nas mulheres por mais humildes que elas fossem, pois considerava-se que os filhos se aperfeiçoariam vendo o exemplo de suas mães.

(continua nos links abaixo)

1 – Esta matéria

2- https://www.culturajaponesa.com.br/index.php/guia-japao/educacao-feminina-japonesa-no-brasil/educacao-feminina-japonesa-no-brasil-2/

3 – http://www.culturajaponesa.com.br/index.php/guia-japao/educacao-feminina-japonesa-no-brasil/as-escolas-femininas-japonesas-no-brasil-3/

4 – http://www.culturajaponesa.com.br/index.php/guia-japao/educacao-feminina-japonesa-no-brasil/as-escolas-femininas-japonesas-no-brasil-4/

5 – http://www.culturajaponesa.com.br/index.php/guia-japao/educacao-feminina-japonesa-no-brasil/as-escolas-femininas-japonesas-no-brasil-5/

6 – http://www.culturajaponesa.com.br/index.php/guia-japao/educacao-feminina-japonesa-no-brasil/as-escolas-femininas-japonesas-no-brasil-6/

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fev 282024
 

A Associação Brasileira de Desenhistas de Mangá e Ilustrações – ABRADEMI, que foi fundada em 3 de fevereiro de 1984, está comemorando seu 40º aniversário com uma exposição no Museu da Imigração Japonesa, em São Paulo.

Numa época em que não se falava em mangá, a ABRADEMI procurou divulgá-lo desde o início, tratando o mangá como parte da cultura japonesa, e não como algo de consumo. Foi pioneira em evento de animê e mangá com o MangáCon, realizado por cinco anos consecutivos, onde valorizou dubladores nacionais, deu espaço para os cosplayers, criou o Anime Dance, o Anime-kê (karaokê de temas), apresentou shows de taikô e de esportes como kendô, homenageou os desenhistas veteranos e premiou desenhistas amadores com o Abrademi Contest.

A ABRADEMI também foi pioneira no curso de desenho de mangá, de roteiros de HQ, de introdução ao desenho animado, e até convidou o cineasta Zé do Caixão para ensinar a criatividade para roteiros.

No mesmo ano de sua fundação, o Brasil recebeu, em setembro de 1984, a visita do “Deus do Mangá”, Osamu Tezuka, convidado pela Fundação Japão. A ABRADEMI já havia realizado exposições, editado fanzines e participado de eventos, quando chegou o desafio maior: fazer uma exposição desenhistas de Histórias em Quadrinhos do Brasil para ser exibido no Museu de Arte São Paulo – MASP, junto com a mostra do mestre Osamu Tezuka.

Essa história da visita de Tezuka ao Brasil, bem como exposição original, está apresentada na Exposição 40 anos da Visita de Osamu Tezuka ao Brasil. Haverá palestras nos dias 17 e 24 de março de 2024, no período da tarde.

As palestras previstas são:

  1. Os desenhistas nikkeis de mangá – O escritor, desenhista e editor Franco de Rosa (Editora Press, Mythos, Opera Graphica e outros) e convidados – Dia 17/3 – 14h
  2. A História da Abrademi – Francisco Noriyuki Sato – presidente da Abrademi, presidente da Associação Fukushima, professor de História do Japão e autor de História do Japão em Mangá e de Banzai, História da Imigração Japonesa no Brasil – Dia 17/3 – 15h30
  3. MangáCon, o evento pioneiro de mangá e animê da América Latina – Cristiane A. Sato – autora do livro Japop – O Poder da Cultura Pop Japonesa – Dia 24/3 – 14h
  4. Os ensinamentos de Osamu Tezuka – profa. Sonia Maria B. Luyten, doutora em Comunicação Social pela USP, lecionou na USP, e na Universidade de Estudos Estrangeiros de Osaka e Tóquio, professora da Universidade Real de Utrecht (Holanda) e professora convidada da Universidade de Poitiers (França). Na década de 70, fundou na USP o primeiro núcleo de estudos de mangá – Dia 24/3 – 15h30
Osamu Tezuka e profa. Sonia Luyten no Japão

As exposições permanecerão no Museu da Imigração Japonesa entre 20/2 até 24/3/2024.

O Museu fica na Rua São Joaquim, 381, com bilheteria no 7º andar. Exposições no 8º e 9º andares. Palestras na sala Hiroshi Saito, no 8º andar. O museu funciona de terça a domingo, e na quarta-feira a entrada é franca. Horário: das 10 às 17 horas (a última entrada às 16 horas).

O museu tem uma pequena livraria e um bom café Nanaya com belos doces no 9º andar.

ago 172021
 

A cantora Misora Hibari já se apresentou no Brasil. Foi em agosto de 1970, portanto, há 51 anos.

Como uma estrela no auge de sua carreira, mereceu apresentação no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, que era o maior espaço para shows da cidade. Os auditórios do Anhembi só ficariam prontos a partir de 1972.

O desafio de trazer a grande artista coube aos irmãos Koei e Mário Okuhara, então proprietários da Rádio Apolo e da Gravadora Astrophone. Consagrada no Japão, Misora Hibari, cujo nome verdadeiro era Kazue Kato, era chamada de “Embaixatriz das Cantoras”, por ter iniciado a carreira no período da Segunda Guerra Mundial, com apenas oito anos de idade. Os tempos eram difíceis e seu primeiro disco “Kappa Boogie Woogie” foi gravado em 1949, assim como seu primeiro filme “Nodojiman Kyodai”, e ambos fizeram sucesso. Tendo um país completamente arrasado pela guerra, os japoneses viram, na menina de 12 anos, a inspiração de que precisavam, para seguirem na árdua luta pela sobrevivência nos anos seguintes. A garota-prodígio fez jus à esperança que depositavam nela. Trabalhou muito, protagonizou diversos filmes, gravou discos e deu shows viajando bastante, e até se apresentou no Havaí, Estados Unidos, em 1950. A imagem da pequena Hibari fazendo shows e filmes ilustravam os jornais e as principais revistas.

No Brasil, essa imagem também era muito forte. Discos da Hibari eram lançados pela gravadora Denon e seus filmes lotavam as salas da Liberdade. A vinda da Misora Hibari pode ter sido o acontecimento mais relevante até hoje em termos musicais para a coletividade nipo-brasileira. Cantores relativamente famosos estiveram no Brasil, na década de 1960, a convite do Cine Niterói, mas Misora Hibari realmente era a única a ser considerada o símbolo da canção popular japonesa.

Na mensagem dirigida aos fãs brasileiros, antes de sua saída do Japão, Misora Hibari afirmou sentir muita alegria ao saber que existem fãs no Brasil, e que o Brasil é o local mais distante do Japão, lembrando uma música que diz: “A manhã chega na parte superior do planeta Terra. No outro lado deve ser noite”. Ela afirma que, ainda criança, soube que no outro lado estava o Brasil. “Mesmo estando em países diferentes, as músicas que ligam os corações são iguais. Serão apenas três dias no Brasil, mas pretendo me apresentar da melhor forma possível”, afirmou.

Na mensagem do caderno de programação do show da cantora, o deputado estadual Shiro Kyono escreveu: “Dada a repercussão de sua fama, o governador Roberto de Abreu Sodré, por intermédio da Secretaria de Turismo, emprestou sua colaboração oficial e, no mesmo intuito, o prefeito Paulo Maluf, por intermédio da sua Secretaria de Turismo, receberá a cantora como “Hóspede Oficial da Municipalidade”.

Foi um acontecimento notável e que merece ser lembrado. 

Texto: Francisco Noriyuki Sato

ago 052021
 

A província de Okinawa foi ocupada pelas Forças Armadas dos Estados Unidos entre 1945 e 1972.

A devolução da província ao Japão aconteceu oficialmente no dia 15 de maio de 1972, após 27 anos de ocupação americana. Enquanto todo o restante do Japão voltou à administração de japoneses em 1952, o arquipélago do antigo reino de Ryukyu teve que esperar mais 20 anos, primeiro por causa da Guerra da Coreia que começou em 1950 e a posição geográfica de Okinawa tornou o local estratégico para as bases americanas. Essa guerra terminou em 1953, mas os americanos haviam investido bastante no local porque ainda previam novos conflitos na região por causa da Guerra Fria. Depois, em 1965, começou a Guerra do Vietnã, tornando o local estratégico novamente. Estima-se que, em 1969, mais de 50 mil soldados americanos moravam em Okinawa.

Com a devolução ocorrendo no dia 15 de maio de 1972, a comunidade nikkei se reuniu e realizou um evento cultural de “Comemoração pela Restituição de Okinawa ao Japão”, nos dias 20 e 21 de maio (sábado e domingo) do mesmo ano, no auditório da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, na Liberdade, em São Paulo.

A iniciativa coube ao Zaihaku Okinawa Kenjinkai (Associação dos Provincianos de Okinawa no Brasil), então presidida por Mosei Yabiku. A principal atração do evento foi uma peça de teatro, que mostrou o período de transição de quatro anos (1875 a 1879) no qual aconteceu a desocupação do Castelo de Shuri, então capital do Reino de Ryukyu. A peça, escrita por Eikichi Yamazato, artista plástico e escritor, autor de vários livros sobre a história de Okinawa, foi apresentada em japonês por um elenco de artistas radicados no Brasil.

O papel principal, do último rei Shõ Tai, coube a Naohide Urasaki, natural de Naha, capital de Okinawa, que estudou o teatro tradicional do local desde criança. Urasaki emigrou para Bolívia em 1957, onde trabalhou nas plantações de arroz e introduziu o teatro okinawano. Mudou-se para São Paulo, e novamente não ficou longe dos palcos. Junto com outros conterrâneos fundou a Kyowa Gekidan, em 1962, grupo teatral que passou a encenar o teatro de Okinawa. Em 1987, Urasaki voltou a Okinawa para se especializar no taikô, foi diplomado e começou o ensino do taikô no Brasil, onde se formou o grupo Ryukyu Koku Matsuri Daiko do Brasil, oficializado pelo Japão em 1998. Naohide Urasaki faleceu aos 80 anos de idade, em 2011.

A peça da história de Okinawa foi encenada duas vezes no domingo, mas o evento em si contou com várias apresentações de dança de Okinawa e do restante do Japão nos dois dias.

Em maio de 2022, a restituição da província de Okinawa estará completando 50 anos, uma data de grande significado para o Japão.

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Texto: Francisco Noriyuki Sato – Jornalista e editor, autor dos livros História do Japão em Mangá e Banzai – História da Imigração Japonesa no Brasil, e professor de História do Japão da Abrademi.

Para saber mais sobre o professor Naohide Urasaki: http://matsuridaiko-brasil.com/naohide-urasaki-sensei/

Para aprender a História do Japão, incluindo a História de Okinawa, a Abrademi tem cursos on-line: www.abrademi.com

fev 272021
 

Jiro Kawarazaki foi a estrela do filme “Gaijin – Caminhos da Liberdade”, da estreante diretora Tizuka Yamasaki, de 1980. O filme conta a história da imigração japonesa à partir da chegada de uma família numa fazenda de café no interior de São Paulo. Jiro e Kyoko Tsukamoto representam Yamada e Titoe, que formam o casal principal do enredo.

Jiro faleceu em julho de 2020, vítima de uma parada cardíaca. Tinha 79 anos de idade. A família não divulgou o fato, e a mídia só tomou conhecimento um mês depois, mas deu poucas linhas à respeito desse ator.

No currículo de Jiro constam 19 filmes longa-metragens feitos no Japão, entre 1961 e 1992. Num filme de 1974, “Wagamichi”, de Kaneto Shindo, Jiro tem um papel secundário, mas é um filme interessante porque trata de problemas das famílias de decasséguis da região do Tohoku, sobre uma história real de 1966. Jiro teve uma carreira mais longa e respeitável na TV, atuando em vários episódios da série de samurai “Mitokoumon” da TBS e em muitos outros, de vários estilos. Jiro também atuou nos palcos onde trabalhou em várias peças. O pai de Jiro era um famoso ator de Kabuki em Tóquio, já na quarta geração de atores dessa modalidade, e seus dois irmãos, duas irmãs e uma prima também seguiram a carreira de artística.

Comentário pessoal:

Lembro do Jiro Kawarazaki quando tinha acabado de chegar do Japão e estava num hotel de Atibaia, cidade onde seriam realizadas as primeiras tomadas com os atores japoneses. Jiro, Kyoko e Yuriko Oguri foram contratados pela Tizuka, e dentre eles, Jiro era o mais famoso naquela época. Mas era bastante humilde.

Na época, eu trabalhava e estudava à noite, e não tinha tempo, mas queria praticar o idioma japonês. Daí eu me oferecia ao Sanenari Oshiro, que era redator do jornal São Paulo Shimbun, para ir entrevistar artistas japoneses nos finais de semana. Nem sempre os artistas eram profissionais. Na maioria das vezes eram grupos de estudantes que vinham por intercâmbio e traziam alguma coisa para apresentar. Claro, o trabalho era voluntário e mesmo as despesas de transporte não eram reembolsadas. Não havia nenhuma espécie de apoio. Eu recebia um número de telefone e um nome, e depois eu ia atrás. Nesse caso, eu procurei o contato da Tizuka, a diretora do filme, liguei, marquei e fui no escritório dela. Os atores ainda não tinham chegado, mas fiquei sabendo que chegariam e fariam a primeira tomada naquele final de semana. Peguei o ônibus e fui para Atibaia. No hotel, a Tizuka disse que o intérprete não estava, e que iria chamar os japoneses.

Assim fiquei conhecendo o trio de atores, todos muito simpáticos, apesar de cansados da viagem. Naquele dia, como não ia ter filmagem, eu os levei até a praça de Atibaia onde estava tendo uma feira de artesanato. E lá comprei um pacotinho de coquinho doce. O Jiro gostou tanto daquilo, que voltou sozinho e comprou um monte deles.

Voltei a Atibaia novamente, num outro final de semana. Os atores já tinham feito várias cenas e estavam todos bastante integrados com o ambiente. Antonio Fagundes, Gianfrancesco Guarnieri, Ken Kaneko e José Dumont faziam parte do elenco e, por sorte, todos estavam lá. Conversei bastante com o José Dumont e com o Jiro Kawarazaki. Foi a última vez que o vi.

“Gaijin” foi o melhor filme do Festival de Cinema de Gramado de 1980. José Dumont recebeu o prêmio de melhor ator coadjuvante. Quem não assistiu deveria assistir.

Francisco Noriyuki Sato