dez 152014
 
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Biblioteca Kanazawa Umimirai, na foto de Satoshi Asakawa, Coleacanth K&A Architects

A prefeitura de Kanazawa administra diretamente cinco bibliotecas públicas. A de Umimirai é a mais nova, mas não a maior. Construída em 2011, traz, dentro de sua arquitetura contemporânea, grandes espaços vazios, que a deixam mais confortável. Além da arquitetura pouco comum, o prédio de três andares conta com um auditório para até 250 pessoas, um palco e uma tela de 200 polegadas. Há também quatro salas para reuniões de 20 e 30 lugares com mesas.

O que causa surpresa, entretanto, é o seu funcionamento, que é muito prático. Para consultar livros, o interessado não precisa apresentar nenhum documento ou fazer ficha e não precisa falar com ninguém. Basta ir diretamente à estante e retirar o livro desejado. Como em outras bibliotecas japonesas, os livros consultados são colocados em locais determinados, e os funcionários fazem a recolocação nas prateleiras.DSCN8117

Há um equipamento com monitor para o interessado procurar um determinado livro, semelhante àqueles encontrados em livrarias. O equipamento informará a exata localização do livro, o andar, o setor, além da medida e o número de páginas. Caso seu livro não esteja naquela unidade, o aparelho vai informar e você mesmo emite um tíquete com código de barras, e entrega para um funcionário. Ele irá providenciar para você ter o livro no dia seguinte.

Para levar o livro para casa é necessário preencher uma ficha e receber um cartão magnético. Isso, só na primeira vez. Há um equipamento para alugar os livros. Basta pegar os livros que quer (no máximo 10 livros por vez), colocar o código de barras de cada livro no leitor, que o equipamento emitirá um recibo, com a relação dos livros que está levando, e a data para devolvê-los. É só isso. É pegar e ir embora. O prazo para devolução é de 14 dias, e não é necessário devolvê-los nessa unidade. Qualquer uma das bibliotecas municipais pode recebê-los de volta, e se for fora do horário do expediente, há uma caixa de coleta sempre aberta para receber as devoluções.

DSCN8115Em termos de facilidades, há copiadoras (é permitido copiar parte do livro, nunca a obra completa), área de internet, mesas para leitura e uma área para crianças, só com livros infantis e uma salinha para brincar. Tem um estacionamento para 108 carros e 100 bicicletas. Aqui, todo o serviço é gratuito, inclusive o estacionamento.

A biblioteca Kanazawa Umimirai, que tem 400 mil volumes à disposição, funciona nos dias úteis das 10 às 19 horas, e aos sábados, domingos e feriados, das 10 às 17 horas. Fecha às quartas.

Umimirai, na foto de Satoshi Asakawa, Coleacanth K&A Architects

Umimirai, na foto de Satoshi Asakawa, Coleacanth K&A Architects

Os Prêmios – A biblioteca Kanazawa Umimirai recebeu prêmio de melhor design Cultural/Institutional da The International Interior Design Association, em 2013, foi eleita uma das quatro melhores bibliotecas do mundo, pela TV BBC inglesa, e está entre os 20 melhores projetos eleitos pelo guia Fodor’s americana.

dez 112014
 

O Nikkei Institute of Industry and Regional Economy publicou, na revista Nikkei Shohi Insight 「日経消費インサイト」ou “Visão do consumidor japonês”, de novembro de 2014, uma pesquisa sobre os prováveis sucessos de 2015 no mercado japonês. Esse instituto trabalha com dados de consumo do passado e presente, e assim estuda a mudança de comportamento e de hábito do japonês.

Nesse levantamento, muito comentado pela mídia, chamou atenção o primeiro lugar ocupado pelo trem-bala, o Hokuriku Shinkansen, que ligará Tóquio a Kanazawa, a ser inaugurado em 14 de março de 2015. O segundo lugar coube ao Episódio 7 do Star Wars, sob a produção da Walt Disney, depois de uma janela de dez anos. O terceiro lugar é o impacto que estará tendo o mercado de smartphones, com a disputa entre as três grandes pelo cliente, e isso, além de trazer novas tecnologias, trará a redução do preço.

O caso do tenista Kei Nishikori, que agora é um dos melhores do mundo, deverá movimentar o mercado dessa modalidade e de produtos em 2015. É o quarto da lista. Já neste ano, cresceram o número de crianças que se matriculam em escolas de tênis, e se observa o aumento na venda de camisas polo semelhantes ao do atleta. O quinto lugar coube à revolução que se espera na área de animação e imagem, com o uso popular de redes sociais como Instagram e Vine, cujos videos curtíssimos de 7 segundos fazem muito sucesso no mercado americano.

O sexto lugar é ocupado pela reestruturação que será realizada na área comercial de Tóquio, com novos e grandes projetos, pois a cidade se prepara para as Olimpíadas de 2020. Isso deverá trazer um impacto, não só na área da construção, como também no comércio regional. O lançamento do relógio de pulso eletrônico da Apple em 2015, mudará o conceito de relógio, constatou a pesquisa que o colocou como o sétimo de maior impacto no ano que vem. Depois do sucesso do Noodle Maker, da Philips em 2014, espera-se uma grande reação de outros fabricantes quanto aos eletrodomésticos para a cozinha. É o oitavo da lista.

os mellhores de 2015 109“Cool Japan” e “Omotenashi” são campanhas para oferecer melhor serviço aos estrangeiros. Isso engloba as atividades “kawaii fashion” que a loja Shibuya da rede 109 (ichi maru kyu) vem trabalhando (foto ao lado), lojas de conveniência que vendem saquê 24 horas por dia, e outras inovações que vem agradando, não só os estrangeiros, mas principalmente os japoneses. Em nono lugar.

No décimo lugar aparecem empatados dois itens parecidos: 1) a mudança no sistema de distribuição de verduras pelo agricultor – que está optando por empresas que mantém um preço sem oscilações. Isso parece pouco, mas quando se sabe que gigantes de outros setores como a Toshiba, a Fujitsu, a Toyota e a JR (transportes) estão investindo na área, é porque mudanças virão. 2) a partir de 2015, os produtos alimentícios trarão informações sobre a funcionalidade dos seus componentes. Como o japonês costuma ler tudo no rótulo, isso pode trazer mudanças no consumo de certos alimentos.

Kanazawa no topo da preferência

slide hokuriku shinkansenA surpresa a que se refere o título da matéria é que Hokuriku Shinkansen é apenas uma linha nova de trem-bala, num país que possui muitas outras linhas. Entretanto, como a cidade de Kanazawa vem ganhando espaço na mídia, com a promoção de feiras de alimentos, atrações e de produtos típicos em grandes centros como Tóquio, sempre trabalhando com a força chamativa do trem-bala, é possível que o público em geral esteja pensando nessa cidade como próximo destino turístico. A empresa de turismo JTB, que tem uma loja em Kanazawa, constatou que turistas estão optando pela cidade, deixando de lado outros destinos que lideravam a lista de preferência, como os parques temáticos Tokyo Disneyland e a Universal Studios de Osaka. Os grandes atrativos agora no inverno são as thermas da região. A rede de thermas Kaga-ya, que administra três casas, revelou que só há pouquíssimas vagas para hospedagem até o dia 3 de janeiro de 2015. Embora o trem-bala nem esteja funcionando, a baixa da moeda japonesa, que fez turistas desistirem de ir ao exterior, e a vigorosa campanha da cidade por turistas, parece já estar dando resultado.

dez 112014
 

Desconhecido no Brasil, mas uma celebridade no Japão, o escritor americano Donald Keene deu uma palestra com o tema “Eu e Kanazawa – para os jovens”. Aos 93 anos e mostrando uma lucidez fora do normal, falou em japonês o tempo todo.

donald keeneAmericano do bairro do Brooklin, em Nova Iorque, Donald Keene, aos 18 anos, então estudante da Columbia University, encontrou numa livraria na Time Square, um exemplar em inglês do “Genji Monogatari”, um romance escrito por uma mulher, Murasaki Shikibu, nos primeiros anos do século 11 (Período Heian). O livro chamou a atenção dele, não pelo título, mas pelo fato de ser muito barato. Ele comprou, leu e se apaixonou pela obra. Queria ler o livro no original, mas não sabia japonês e nem havia quem ensinasse. Assim, ele resolveu se alistar na Marinha, pois era o único lugar onde se ensinava japonês. O curso, conta ele, era intensivo e era o dia todo, não se fazia outra coisa a não ser estudar o idioma. Em apenas 11 meses ele aprendeu a falar, a ler e a escrever japonês. O ano era 1941 e logo depois começaria a guerra com o Japão, país que ele desejava muito conhecer, mas a ocasião era péssima.

Depois de se pós-graduar-se pela Columbia e passar pela Cambridge na Inglaterra, em 1953 ele finalmente conseguiu permissão para ir ao Japão. Foi como estudante de pós na Kyoto University. Nesse período, conheceu outros jovens promissores e resolveu fazer sozinho o percurso feito pelo poeta Matsuo Basho em 1639, que consta no livro “Oku no Hosomichi” (Sendas de Oku) de Basho. Foi assim que ele chegou a Kanazawa, em 1954. Donald conta que estava na cidade de Sendai, em Miyagi, quando alguém lhe disse: “Daqui até Kanazawa você não vai conseguir tomar um bom café”. De fato, foi isso mesmo. (Nota do jornalista: Já em 1919 (Ano 8 da Era Taisho) foi inaugurado um lugar chamado Café Brasil, no bairro de Kohrinbo, na cidade de Kanazawa, que foi o ponto de encontro de intelectuais e estudantes).

Um dos locais visitados por Matsuo Basho foi Natadera, um templo no meio das rochas de Ishikawa

Um dos locais visitados por Matsuo Basho foi Natadera, um templo no meio das rochas de Ishikawa

Donald disse que não conseguiu fazer o percurso a pé, como fez o poeta japonês, e viajou de ônibus, desceu em Kanazawa, onde ficou na hospedaria “Iroha”, e chegou até a cidade de Komatsu (perto de Kanazawa, onde fica o aeroporto da região). Ele contou com bom humor algumas coisas engraçadas dessa viagem, como a história do monge que estava tentando aprender inglês.

Donald Keene disse que as obras clássicas japonesas precisam ser reescritas em japonês adotando-se uma linguagem contemporânea. Disse que elas continuam sendo publicadas com o texto antigo, quase original (quase chinês, disse ele, porque os mais antigos foram escritos nesse idioma), e poucas pessoas podem entendê-lo. Ele prega que o original precisa ser publicado também, mas a versão atualizada poderia mostrar os encantos da literatura japonesa. “Esses livros são fantásticos, são belos, e é um desperdício não conseguir entendê-los”, disse o escritor, que completou: “Os estudantes estrangeiros apreciam muito a literatura japonesa antiga, porque a versão traduzida é fácil de ler, mas raramente os estudantes japoneses conseguem ler esses livros até o fim”.

Além do show que foi a palestra desse renomado intelectual americano, outro show apresentado foi o da organização da palestra. O palestrante e o condutor Shinsuke Tsutsumi estiveram bem à vontade porque a organização foi impecável. O auditório da Kanazawa Kogyo Daigaku tinha 700 cadeiras (soltas) e foram totalmente ocupadas. Ninguém movimentou a cadeira para ampliar seu espaço, ou colocou a bolsa na cadeira ao lado. Para aqueles que tinham bagagem maior (casacos e mochilas maiores), a organização reservou mesas no fundo da sala. Havia moças conduzindo os participantes a ocuparem as cadeiras da frente, pois japonês não gosta de sentar na frente. O evento foi organizado pelo consórcio de universidades da província de Ishikawa. Como a Kanazawa University faz parte do grupo, trouxe três ônibus cheios de alunos para a palestra. Na chegada dos ônibus, nenhum tumulto na entrada. Funcionários sinalizavam de longe e abriram passagem para o estacionamento interno. Os alunos desceram rapidamente e caminharam até o auditório no segundo andar de um outro prédio. No caminho estavam distribuindo mapas impressos com localização dos pontos de ônibus da região, para facilitar o regresso dos participantes. A palestra começou exatamente às 17h30 como estava previsto. Depois da palestra, as duas perguntas feitas por estudantes previamente inscritos foram respondidas, e o evento terminou exatamente às 19 horas, como estava previsto.

Há uma versão em espanhol, digital e gratuita de Sendas de Oku, para quem quiser lê-lo.
dez 082014
 

Ontem o prédio onde eu estava gemeu e tremeu, tal qual um trem iniciando viagem. Ainda bem que foi só isso. Em Nagano, onde foi o epicentro, o tremor foi de 6,8 graus. O asfalto das estradas levantou mais de meio metro abrindo-se em fendas enormes e 60 casas desabaram. A terra treme todos os dias em algum lugar no Japão e a maior preocupação é o tsunami que pode vir em seguida. No mês passado o monte Ontake entrou em erupção vitimando vários turistas que lá estavam, e este mês foi a vez do monte Aso em Kumamoto soltar lava e cinzas. A natureza é assim e pouco se pode fazer em relação a ela. Cercado pelo mar por todos os lados o arquipélago japonês, com suas mais de 6 mil ilhas e ilhotas, convive com essas surpresas desde os tempos remotos.

monte ontakeEssa terra instável pouco foi beneficiada pela natureza na sua criação. Não há petróleo, não há pedras preciosas, e o inverno rigoroso impede o cultivo nessa época do ano, além de dificultar a criação de animais. Na maior parte do Japão os motoristas são obrigados a trocar os pneus pelos de neve, as casas precisam ser totalmente vedadas e os telhados são envernizados para não acumularem neve, pois o peso da neve pode fazer uma casa desabar.

Como esse país nanico no tamanho – pois sua área total, incluindo todas as ilhotas improdutivas, é 23 vezes menor do que a do Brasil – pode ser uma superpotência econômica?

carros7851Os positivistas diziam que o meio faz o homem. Para sobreviver aqui o japonês precisa se preparar pensando no amanhã. É necessário fazer uma boa poupança para gastos inesperados e, no plano mais geral, é preciso que o poder público esteja equipado para emergências, que inclui grandes escolas com amplos pátios cobertos para abrigar desabrigados se for preciso. Mais do que um inconveniente, o inverno rigoroso é visto como oportunidade para vários negócios, inclusive o turismo. A indústria lucra e gera empregos produzindo energia, roupas e calçados apropriados, equipamentos para aquecimento e outros itens inimagináveis num país tropical. Querendo ou não, todos os anos o frio vem do mesmo jeito, e quem não estiver preparado corre risco de morrer.

Muitos países grandes estão em zonas frias e o inverno gera negócios. Isso faz um país sobreviver economicamente, mas não o transforma numa superpotência. Como, num lugar como é o Japão, a renda per capita pode ser de USD 37.539, enquanto no Brasil, grande país tropical com muitos recursos naturais e população jovem, a renda é de USD 11.067 (estimativa de 2014), ou seja, menos de 1/3 da do Japão?

Pessoalmente tenho uma tese e para explicá-la, como não sou economista e não gosto de economês, queria transpor o país todo numa escala menor para fazer comparações com outros países. Vou fazer de conta que a indústria automobilística mundial, já que é globalizada, seja o nosso mundo inteiro hoje.

Sabemos que o automóvel que usamos hoje é fruto do esforço de todos os países produtores. Por exemplo, se a luz de ré brilha com certa intensidade, é porque no passado alguém testou isso e chegou à conclusão de que era o melhor. Outros tentaram idéias diferentes mas chegaram à mesma conclusão, e agora todas as luzes de ré têm o mesmo brilho.

Em termos gerais penso que a Alemanha, com sua tradição em equipamentos mecânicos, tenha contribuido para a robustez dos carros. A Itália, com seu apreço pelas artes, creio que tenha ajudado a melhorar o design. Os ingleses, pelo gosto por velocidade, talvez tenham melhorado o desempenho do automóvel. Os americanos, por sua vez, contribuiram com a redução de custos criando a produção em massa e a popularização do automóvel no mundo. Mas onde entraram os japoneses?

Sempre se falou na miniaturização que os japoneses conseguem fazer com seus produtos. De fato, isso acontece porque os espaços são pequenos nas casas japonesas. Um eletrodoméstico americano pode nem passar pela porta de uma casa japonesa. Mas esse raciocínio não se aplica aos automóveis, excetuando os modelos conhecidos aqui como “K” (microcompactos, motores de 660 cilindradas que fazem 20 km com um litro de gasolina). No caso do automóvel, o Japão não contribuiu para o seu desenvolvimento com a miniaturização (tanto que são os modelos médios os mais vendidos pelas montadoras japonesas no mundo). Então, qual será o diferencial?

Um mercado de peixe limpo e sem cheiro.

Um mercado de peixe limpo e sem cheiro.

Creio que a resposta seja Serviço, o verdadeiro espírito de atender da melhor forma possível as necessidades dos consumidores. Isso se resume na frase “o consumidor é um Deus”, repetida na década de 1970 dentro das indústrias japonesas. Não se trata de abrir um site para os consumidores colocarem comentários e assim saberem o que eles querem. Para os japoneses, Serviço é muito mais do que isso e começa bem antes de receber uma sugestão ou reclamação. É difícil explicar isso só com palavras e sei que terei que melhorar esse texto para ser compreendido, mas o conceito de Serviço e de ser atento às necessidades do outro está presente em tudo que é feito no Japão. É tudo uma prestação de serviço ao consumidor final, e todos os japoneses exercitam isso o tempo todo. Exemplificando a idéia com acessórios num carro, o carro que tem um porta-copos para o passageiro do banco de trás está prestando um serviço; já o outro carro que possui um porta-copos para o passageiro de trás na altura das mãos está prestando um serviço melhor.

bus insideSaindo da indústria automobilística, vamos às ruas. Aqui os ônibus não têm cobrador. Quem cobra é uma máquina e não há catracas – a passagem é paga através de cartões pré-pagos similares ao bilhete único. Ao motorista cabe dirigir e orientar o passageiro. Muitas vezes o passageiro nem precisa pedir informação: o motorista quando percebe que tem turistas a bordo se antecipa a informar sobre onde descer para ir a determinado lugar. Também é ele quem recarrega o cartão do passageiro, e faz isso enquanto abre as portas e espera o passageiro descer. Agora a maior surpresa é que no Japão o motorista agradece, um por um, a todos os passageiros por terem utilizado o seu ônibus! O motorista entende que ele está prestando um serviço para o consumidor e não para a empresa de ônibus. E os passageiros não tentam dar calote  nem são grossos com o motorista. Deu para sentir a diferença?

Voltando ao universo dos carros, o americano calcula que 3 reclamações em 10 mil carros vendidos é um número aceitável. Já o japonês pensa ser inaceitável haver qualquer descontentamento – então vão verificar a fundo essas 3 reclamações para entender o que houve. Quando uma indústria americana vende 2 milhões de um modelo de carro aceitando que vai haver 600 descontentes, pode-se entender porque há tantos advogados nos Estados Unidos. Contratar advogado – apesar das famosas piadinhas que os americanos fazem a respeito dos advogados – é algo comum nos Estados Unidos pois faz parte da cultura local resolver qualquer tipo de desavença no Judiciário. No Japão é difícil encontrar advogados porque quase não há trabalho para eles. Já no Brasil o sistema é caro, moroso, ineficiente, ineficaz, mas fazem de conta que funciona. Se no Japão “o consumidor é um Deus”, no Brasil o consumidor fica ao Deus-dará.

DSCN6447Essa busca pela perfeição nos serviços ao consumidor no Japão fez a indústria automobilística ser algo melhor do que seria sem a participação japonesa. Na década de 1990 o mundo inteiro se empolgou com os métodos administrativos vindos do Japão, como Kanban, Defeito Zero e muitos outros. Mas não penso neles apenas como métodos técnicos para melhorar a produtividade. Na prática, as atitudes que caracterizam essas técnicas estão presentes na atitude cotidiana dos japoneses. Ninguém aqui pensa em Kanban ou Defeito Zero, mas agem dentro desse espírito mesmo se for numa mercearia de esquina. É um envolvimento total dos funcionários que se esforçam coletivamente e aplicam qualquer método conhecido para chegar à perfeição. Não fazem isso para agradar à empresa que paga seu salário, mas para atender seu consumidor do modo que também gostariam de ser atendidos. É necessária uma atitude altruísta para essas técnicas darem certo, por isso a técnica por si só não basta. No Japão todos entendem que hora estamos atrás de um balcão, e hora estamos na frente de um balcão. Ninguém fica só de um lado do balcão o tempo todo.

Aí chegamos à questão onde o Brasil encontra hoje um terrível gargalo na mão-de-obra: competências, eficiência e produtividade. Comparemos com o Japão. Apenas uma senhora cuida de um supermercado de porte médio em Kanazawa. Esse supermercado faz parte de uma rede: tem frutas, verduras, bebidas, material de limpeza, gelados, lanches frescos, tudo o que um estabelecimento desse tipo tem que ter. Essa única funcionária está no caixa quando precisa estar, e quando não há clientes ela está fazendo reposição de mercadorias, ou varrendo o chão, ou empacotando. No Brasil contratam-se 4 pessoas para fazer o que essa senhora no Japão faz sozinha. Por que ela faz isso? Em primeiro lugar, porque ela consegue. Em segundo, porque tudo é serviço ao consumidor e precisa ser feito. Como ela trabalha por 4 pessoas, é lógico e justo que ela ganhe 4 vezes mais. Isso justifica a renda per capita tão elevada dos japoneses. No Japão cada um trabalha por muitos, e quando se pergunta: “Trabalha para quem?”, a resposta é: “Para o consumidor”. E essa senhora também agradece a cada um dos clientes por ter ido àquela loja, assim como seus antepassados agradeciam aos deuses xintoistas.

Prestar Serviço não é só uma relação de trabalho: é a base ética de tudo no Japão. A própria palavra “Samurai” originalmente significava “a serviço de”. Ditados como “quem não vive para servir não serve para viver” não ficam só nas palavras no Japão.

“O consumidor é um Deus” não tem nada de religioso, mas os japoneses praticam isso à risca.

É minha opinião pessoal, depois de dois meses observando o Japão.
 
Francisco Noriyuki Sato
Jornalista e estagiário da JICA na Kanazawa University, cidade de Kanazawa, província de Ishikawa.
dez 022014
 

Apesar do Natal não ser uma festa tradicional, os japoneses se preocupam em enfeitar suas cidades. E assim, dias frios e cinzentos do inverno rigoroso parecem mais agradáveis, além de serem manchetes de jornais. Isso acaba atraindo os turistas.

Em Kanazawa, que é uma cidade turística, o mesmo fato acontece. Ruas e parques recebem iluminação, além de atividades culturais para animar ainda mais os seus visitantes. Mas o chamado “Light Up” é considerado um evento, e não dura para sempre. Os enfeites das ruas ficarão durante todo o mês de dezembro, mas os parques públicos recebem iluminação por apenas 10 dias, por questões de custo. E nesses poucos dias, os locais recebem atrações como oficina de pintura no estilo Kaga Yuzen (de quimono), pratos tradicionais da região são servidos nos restaurantes do parque Kenrokuen, e ônibus especiais fazem a rota do “Light Up” para os turistas.