nov 172014
 

DSCN6389A cidade de Kanazawa, na província de Ishikawa, possui três bairros onde as cha-ya (casas de chá onde as gueixas se apresentam) foram permitidas, e que continuam funcionando até hoje. São ruas estreitas com casas de madeira, todas com dois andares, e hoje a maioria é ocupada por restaurantes e lojas de doces típicos da região. O maior desses bairros é o Higashi Cha-ya Gai, ou área de casas de chá da região leste. Já foi uma região frequentada por ricos comerciantes e atualmente vive cheio de turistas do Japão e do mundo.

DSCN6410DSCN6412Uma das casas que pode ser visitada é a Shima. Ela foi construida em 1820, como uma típica e requintada casa de chá, e foi a única preservada no seu estado original até hoje. Considerada um patrimônio histórico nacional, a casa é grande e muito bonita, refletindo os gostos estéticos do final do Período Edo. Na época, quando todas as casas eram térreas, só as cha-ya tinham o andar superior. A construção, toda em madeira, era cara e construir dois andares era mais difícil. No caso das cha-ya, a sua funcionalidade exigia o segundo andar, pois era lá que os convidados eram recebidos e onde as gueixas se apresentavam. Na casa Shima, chama atenção o teto alto do segundo andar, em contraste com o primeiro andar. Teto mais alto era símbolo de riqueza, já que o custo da construção aumentava bastante. No andar inferior ficavam a cozinha, banheiro, jardim, e a recepção, ficando o depósito e o poço no porão. Nessas casas se apresentavam as gueixas, com sua música leve e dança, tudo sobre tatamis que forram a casa toda. Nas cha-ya eram servidos o chá e algum doce. Ocasionalmente, o anfitrião da festa requisitava um jantar para os convidados, e então, um restaurante fazia a entrega no local.

DSCN6430Para entrar no segundo andar da casa Shima era necessário fazer parte de um seleto grupo de comerciantes da região. Pessoas comuns não tinham acesso, mesmo pagando, pois a casa servia apenas à elite. Por incrível que pareça, os samurais e os funcionários públicos eram proibidos por lei a se divertirem nas cha-ya.

A casa Shima permite que o turista visite o estabelecimento com ingresso simbólico, mas também oferece a opção da visita com um chá (matcha da cerimônia de chá) acompanhado de um doce fresco que reflete a estação do ano. O chá é saboreado numa mesa comprida com vista para o jardim interno típico japonês.

nov 172014
 

himi fujioN6343Himi é uma pequena cidade litorânea de 50 mil habitantes da província de Toyama. Ela passaria despercebida se não fosse pela destacada atividade pesqueira e por um nativo ilustre, o desenhista de mangá Motoo Abiko. “Fujiko Fujio” que assinou desenhos famosos como Doraemon, Paaman e Obake no Q-Taro, era uma dupla de amigos, que passaram a trabalhar individualmente em 1987. Um deles era Hiroshi Fujimoto e o outro era Motoo Abiko. Os dois, ainda bem jovens, seguiram o exemplo de Osamu Tezuka, seguiram seus sonhos, e foram parar no conjunto de apartamentos Tokiwa, em Tóquio, onde moraram, na mesma época, com Fujio Akatsuka e Shotaro Ishinomori, dois grandes nomes que ajudaram a construir o mangá de hoje.himi fujioN6347

Depois da separação profissional da dupla, Motoo adotou o nome artístico de Fujiko Fujio A e continuou produzindo seus mangás. A cidade de Himi homenageia esse artista em todos os lugares, tanto que é um museu a céu aberto dos personagens de Fujio A, cujas estampas cobrem os ônibus da cidade, os vagões de trem, os taxis, e há estátuas nas principais ruas, além de um museu exclusivo. Mas o mais incrível são as estátuas de quatro de seus personagens em destaque no meio de um templo budista. Há explicação para isso: Fujio A nasceu dentro desse templo!

Himi, por ser uma cidade de pescadores, possui um grande mercado em estilo japonês, novinho e muito limpo, onde, por incrível que pareça, não há gelo respingando, moscas e o cheiro de peixe.

nov 142014
 

DSCN6280Conhecer uma escola japonesa é conhecer todas as outras? Não é bem assim. Muito se discutiu sobre a reforma do ensino a partir da década de 1990, porque, com a globalização, ficou claro que faltava aos japoneses mais criatividade, independência e o desejo de continuar aprendendo durante toda a vida. Na prática, o aluno estudava muito, se preparava para uma boa universidade, recebia o diploma, começava a trabalhar e só. Seu emprego continuava até a sua aposentadoria, em muitos casos, sem que tivesse que aprender alguma coisa além da rotina do trabalho. Hoje, depois do fim da bolha econômica, tudo mudou.

Houve uma reforma no sistema educacional em 2002, radical, na opinião de educadores, que resultou na eliminação das aulas aos sábados (até 1990, o aluno japonês tinha 240 dias letivos, contra 180 dos americanos), para diminuir a pressão sobre os estudantes. Agora, além das tradicionais aulas de matemática, japonês, inglês, geografia e história, que são ministradas nos três anos que duram o curso colegial, há aulas de educação doméstica, artes e informação, conforme o ano. A matéria mais nova, que reflete essa reforma, está presente no 2° e no 3° ano, é o “Sogo”, que pode ser traduzido como “estudos integrados”. Aqui, o assunto depende do interesse de cada um, e não tem a ver com as matérias exigidas nos exames vestibulares, mas são e serão importantes na vida de todos. Exemplos: meio-ambiente, globalização e tecnologia da informação.

Ao entrar no Kanazawa Nisui Koto Gakko, uma surpresa: com um enorme pátio coberto de linhas modernas, em nada lembra aquelas escolas que apareciam em filmes. Mais parece um shopping center ou edifício de escritórios. A construção é de 1999, mas a escola existe desde 1949. Todos os visitantes são obrigados a tirarem o sapato e colocarem o chinelo. No caso dos alunos, eles usam um calçado próprio para uso interno. Assim, a escola está bem limpa. Trata-se de uma escola mantida pela província de Ishikawa. Em Nisui estudam 1200 alunos, 400 em cada ano, divididos em 10 classes por ano. Se nos anos 90 começaram a incentivar o ensino sob o lema “educação com liberdade”, em Nisui levaram a sério. Aqui os alunos são mais comunicativos e parecem estudantes do Ocidente.

DSCN6284Há um rigoroso exame para ser admitido numa escola pública como a Nisui, porque o custo é menor do que numa escola particular. Mesmo assim, não é barato. Num colégio público paga-se em média 1.600 dólares de matrícula anual, mais 4.200 dólares durante o ano. Já numa escola particular, o valor dobra, e por isso, os pais economizam e guardam um valor todos os meses para que os filhos possam estudar. Além disso, há despesas de transporte e alimentação, pois a escola não dá comida. E por isso os japoneses têm poucos filhos e hoje a população está diminuindo. O nível colegial não é obrigatório no Japão, é caro, e mesmo assim, 96% das pessoas terminam o colégio, sendo o índice mais alto do mundo.

A escola Nisui, como praticamente todas as outras, têm o início das aulas às 8h30 e continua até 16h30. Depois, começam as atividades chamadas de “club”, que são as extracurriculares, como as esportivas tênis, beisebol, badminton, equitação e tênis de mesa, e culturais como culinária, jornalismo, shodô e coral. Essa atividade dura 2 horas em média. Tempo para assistir TV e entrar no facebook? Muito pouco, pois precisam fazer as lições em casa. Nos finais de semana também há atividades dentro da escola e fora dela, por isso é comum ver estudantes uniformizados nas ruas, mesmo aos domingos. Sabe-se que de todos esses estudantes colegiais, cerca de 53% irão disputar vagas em 220 faculdades públicas e 500 particulares. E outros 18% irão para escolas especializadas em alguma atividade.

Sem dúvida alguma, o Japão é um país que prioriza a educação.

Leia sobre o Sistema Educacional Japonês

Conhecendo uma escola colegial japonesa – 2

nov 112014
 

Homens de negócios e turistas disputam acomodações em Tóquio. As reservas em hotéis de preços razoáveis, na base de até 100 dólares por noite, sem café da manhã, e localizadas perto das estações de metrô, precisam ser feitas com 2 meses de antecedência. Até os “capsule hotel” vivem lotados, porque os estrangeiros fazem questão de experimentar essas incríveis acomodações “na gaveta”.

tokyo apartments david lisbona

Foto de David Lisbona

A nova moda, entretanto, entre os estrangeiros é se hospedar nos antigos alojamentos para operários de Toquio. Essa escolha ocorre, em parte, porque os estrangeiros encontram dificuldades em alugar apartamentos comuns. É necessário encontrar um fiador e o contrato é de meio ano para cima. Existem muitos estrangeiros viajando a turismo ou a negócios, que pretendem ficar um ou dois meses na cidade, e esses vêm procurando hospedagem nesses alojamentos antigos, onde não encontram essas exigências, mas precisam morar num minúsculo quarto individual, com banheiro e cozinha usados em conjunto com outros moradores do condomínio. Esses detalhes que afastam o japonês comum é justamente o que atrai o estrangeiro. Morar nesses espaços pequenos e viver em comunidade, tal qual eles viram em filmes e desenhos japoneses, é o que parece chamar essas pessoas. Assim, os alojamentos com melhor localização estão todos lotados de estrangeiros.

Um empresário japonês que viaja diariamente de Chiba, cidade vizinha, para Tóquio, comenta que essas coisas tipicamente japonesas estão atraindo cada vez mais turistas estrangeiros. Aquela imagem de cidade internacional e bastante americana, que marcou a Tóquio nos anos 80, em plena bolha econômica, parece querer dar lugar a uma cidade mais “wa” (espírito japonês), com mais semelhança com a cidade ocupada pelo último xógun Tokugawa, quando a cidade tinha o nome de Edo. A prova disso é que proliferam pequenos restaurantes tipicamente japoneses, com placas escritas com grossos pincéis de shodô, no lugar das lanchonetes, que eram mais comuns nas décadas de 80 e 90. Na Estação Ryogoku, no centro de Tóquio, há vários restaurantes que servem o “chanko nabe”, prato preferido pelos lutadores de sumô, pois ali fica a principal arena do sumô japonês. E, por incrível que pareça, esse lugar vive abarrotado de turistas estrangeiros.

O mesmo empresário de Chiba lembra que voltou a ver vendedores de batata circulando pela cidade de bicicleta, algo que não se via há pelo menos 40 anos, o que também chama a atenção de estrangeiros no país. “Talvez o Japão menos internacional esteja voltando, curiosamente, por causa do interesse dos estrangeiros”, comentou.

Veja também: Por uma Tóquio de antigamente: feira-livre

nov 112014
 

DSCN6003DSCN6007Tóquio é uma cidade que vive se transformando. E isso inclui, vez ou outra, uma volta ao passado. É o caso da curiosa batata-doce assada no vaso, preparada na saída da estação Ryogoku do metrô, no centro da metropole. Chama-se “tsuboyaki imo”, foi criado na Era Taisho (1912 a 1926)e foi popular ao final da guerra, mas havia sumido das grandes cidades. Basicamente, é um vaso de barro gigante com tampa. No fundo são colocados o carvão vegetal e o fogo, e há um orifício para entrada do ar. As batatas ficam suspensas perto da tampa. Esse processo permite que a batata fique assada sem ficar queimada, preservando assim, o seu sabor ideal. Shinji Arai, 72 anos, diz que quando se aposentou pensou em fazer alguma coisa que resgatasse o que seus filhos não conheciam mais, e encontrou a batata-doce assada, que foi comum  na sua infância. “Isso não dá lucro, porque demora muito para ficar pronta”, confessa o idealista.

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Shinya Matsuura e Shinji Arai

Mas não é só a batata-doce que traz de volta o sabor do Japão antigo. Outras barracas trazem verduras frescas, flores, conservas preparadas em casa, e até o raro chá de motigome (arroz usado em bolinhos). Na concorrência com as grandes redes de lojas de conveniência, a feira livre desapareceu de Tóquio faz tempo. Voltou aqui, por força do idealismo de jovens universitários, liderados por Yuichi Tomohiro, formado em administração comercial pela Universidade de Waseda, que criaram o “Sumida Yacchaba”, uma feira-livre como de antigamente, onde o agricultor traz o produto, vende e pode conversar com o consumidor. Na verdade, começou com a participação no evento “Festival da Educação Alimentar”, promovido pela administração do bairro de Sumida, que durou dois dias, em 2010. Na época, os agricultores conhecidos dos organizadores foram convidados, e o resultado foi positivo, com algumas oficinas realizadas para o público, e donos de restaurantes que vieram comprar os produtos. Com o sucesso, o grupo marcou um novo evento para junho do ano seguinte. Só não esperavam o grande tsunami de março de 2011, que devastou o Noroeste do país. O líder Tomohiro foi ajudar na região atingida e não tinha como retornar, e assim, seu colega Shinya Matsuura, formado em agronomia pela Universidade de Tokyo, teve que assumir o comando do próximo evento.

Estação Ryogoku do metrô

Estação Ryogoku do metrô

Matsuura tinha experiência, pois ajudava no festival de verão promovido anualmente no bairro de Sumida, e trazia verduras da cidade onde fazia estágio para vender. Ele soube que alguns idosos ficaram desnutridos após o incidente de 2011, pois não encontrava verduras nas lojas próximas. Assim, percebeu que não havia mais agricultores na região e constatou a importância da feira-livre no centro da cidade, onde viviam muitos idosos. Em 2012, planejou uma feira Yacchaba mensal em 18 localidades de Tóquio, incluindo pequenos espaços em cafeterias. A idéia era que os produtos ficassem próximos das casas dos moradores. Porém, a iniciativa não deu certo, pois não havia como administrar tantos locais.

Hoje, o “Sumida Yacchaba” é realizado semanalmente. Aos sábados, acontece na saída da Estação Hikifune, perto do Skytree, ponto turístico; e aos domingos, na saída da Estação Ryogoku. Sempre sorridente, alto e gordo, Shinya Matsuura é constantemente confundido com um lutador de sumô. Também pudera, o Yacchaba da Estação Ryogoku fica bem na frente do Estádio Nacional de Sumô.

Veja continuação em: Por uma Tóquio de antigamente: apartamentos de operários para estrangeiros

Francisco Noriyuki Sato, jornalista