Quem morou no Japão, com certeza, conhece o Anpanman, um personagem de cara redonda, que há 10 anos é o mais querido das crianças japonesas entre 0 e 12 anos. Os números assustam. Com 1170 episódios para TV, a série nunca deixou de ser exibida no Japão desde 1988. A produtora Tokyo Movie Shinsha produziu 24 filmes de longa-metragem com o personagem e mais desenhos de curta-metragem de 24 minutos para acompanhar os longas. Além disso, desde 1988, 24 filmes especiais para o Natal foram produzidos pela mesma empresa.Os livros ilustrados do personagem já venderam mais de 50 milhões de cópias. Seu criador, o desenhista, poeta, escritor, editor e diretor de teatro, Takashi Yanase, criou 1.768 personagens coadjuvantes do Anpanman e figura, desde 2009, no Guinness World of Records como o autor da série animada com a maior quantidade de personagens do mundo.
O sucesso do Anpanman, na verdade, chegou muito tarde para Yanase. Embora a primeira aparição do personagem num livro esteja datada de 1969, só após várias publicações se tornou conhecido. Takashi Yanase, nascido na província de Kochi em 6/2/1919, tinha 69 anos quando o primeiro episódio de Soreike! Anpanman (Vamos lá! Anpanman) foi ao ar pela Nippon TV e ganhou notoriedade. Antes disso, era um ilustrador free-lancer, embora já tivesse recebido importantes prêmios por outros trabalhos de mangá e animê.
A TV NHK fez um documentário sobre o autor Takashi Yanase, onde ouviu seus amigos, e constatou que a história do Anpanman não é tão infantil como aparenta ser. “Anpan” é aquele pão doce com “anko” (doce de feijão). Já no primeiro livro publicado, Anpanman arranca um pedaço da sua cabeça para alimentar uma pessoa que está passando fome. Assustador? É que Yanase perdeu o pai quando tinha 5 anos e teve que ir morar com um parente após sua mãe casar novamente. Com 24 anos, teve que ir lutar na Segunda Guerra Mundial. Sobre aqueles anos, ele escreveu mais tarde que passou fome e estava muito fraco, mas sobreviveu. Talvez, a idéia de um super-herói que possa oferecer um pedaço de si para matar a fome tenha originado nessa época. Depois da guerra, trabalhou como ilustrador de um jornal de Kochi e como operador da loja de departamentos Mitsukoshi até se tornar um desenhista independente.
As músicas de abertura e de encerramento da série de TV, compostas por Yanase, alcançaram grande sucesso nacional. Curiosa é a letra da música de abertura, “Anpanman no March” (A Marcha do Anpanman) onde se diz “ikiru yorokobi”, ou seja, “alegria de viver”, seguido por “nanno tame ni umarete, nani wo shite ikunoka”, que pode ser traduzido como “para que se nasce e o que vamos fazer em vida”, reflete o lado existencial e a mensagem que o autor queria deixar para as crianças. Essa música foi tocada repetidamente no Noroeste do Japão, no abrigo das vítimas do terremoto e tsunami de março de 2011, porque ela encorajava as pessoas a prosseguirem, após perderem as casas, pais, filhos e tudo que possuíam. Yanase teria composto essa música lembrando do seu irmão mais novo e brilhante que estudava na Universidade Imperial (atual Universidade de Tokyo) quando foi chamado para a 2ª Guerra e acabou falecendo como piloto kamikaze. Ele sempre questionou a razão dessa perda, que foi irreparável, pois era o seu único irmão e ele não tinha mais os pais.
O sucesso do Anpanman foi transferido para Game Boy, Nintendo, Play Station, Wii e Sega, e em 2007 foi inaugurado o museu infantil Anpanman em Yokohama. Seguiram-se os museus de Sendai e Kobe, e o museu e parque temático em Nagoya.
Takashi Yanase faleceu no dia 13/10/2013, em Tóquio, com 94 anos de idade.
Takashi Yanase conheceu a Abrademi
Foto histórica: desenhista Yoko Imamura, Noriyuki, Sonia Luyten, Ryotaro Mizuno e Takashi Yanase, no hotel Shibuya Tokyu Inn, em 1985
“Como presidente da Abrademi, tive a oportunidade incrível de conhecer pessoalmente Takashi Yanase, no Japão. Fui conhecer a terra dos meus pais graças a uma bolsa da Associação de Intercâmbio Brasil-Japão e estava representando a Universidade de São Paulo. Como a bolsa era de apenas um mês, tinha apenas alguns dias livres para fazer o que eu queria. Pedi para agendar uma visita à Associação de Mangá do Japão (JCA) para apresentar a Abrademi, e consegui almoçar com alguns representantes dessa Associação em Tóquio. Era 1985, e a professora Sonia Luyten, que na época morava em Osaka, foi comigo nesse encontro.
Naquele ano, Takashi Yanase ainda não era um autor conhecido, porque o Anpanman ainda não tinha estourado no mercado. Lembro dele como um profissional independente, que publicava livros ilustrados. Até saber do falecimento dele, eu achava que ele era muito mais novo, porque eu tive a impressão de estar falando com alguém mais jovem, que poderia ter uns 45 anos (ele tinha 64) naquela época. Aprendi com ele que ainda tenho muito o que fazer, e que eu estou apenas começando…”
Francisco Noriyuki Sato
Ex-presidente da Associação Brasileira de Desenhistas de Mangá e Ilustrações (Abrademi)
Para quem não conhece, o principal trabalho da desenhista Yoko Imamura foi o shojo mangá “Himitsu no Akko-chan”, publicado na década de 60 e 70 (desenho ao lado).
Outros textos sobre mangá estão no site da Abrademi