Fábio Yasuda
Aos 80 anos, Fábio Riodi Yassuda exibe sua incomum inteligência que deu lhe uma carreira meteórica na Cooperativa Agrícola de Cotia, que culminou com o cargo de ministro da Indústria e Comércio em pleno governo militar (1969). Sem ter qualquer articulação política a seu favor, ele foi o primeiro descendente de japoneses a ocupar um ministério. Depois dele viria Shigeaki Ueki, na pasta das Minas e Energia.
P: O Ministério da Agricultura seria perfeito para o seu currículo. Porque o presidente Médici o escolheu para o da Indústria e Comércio?
Fábio Yassuda: Eu estava num hotel do Rio, quando um coronel do Exército veio me buscar dizendo que o assunto era sigiloso mas que iria me levar ao Galeão. Naquela fase da ditadura, o aeroporto do Galeão simbolizava o local de prisão dos ativistas de esquerda. O coronel me tranqüilizou lembrando que no Galeão também aconteciam decisões políticas nacionais. De fato, apesar de Brasília existir há uma década, muitos ministérios e órgãos do governo federal continuavam no Rio, e no Galeão ficava a residência oficial do ministro da aeronáutica, que é onde os presidentes se hospedavam quando estavam no Rio. Felizmente, fui levado para essa residência. O presidente Emílio Garrastazu Médici, eleito pelo Congresso Nacional na véspera, veio me receber e depois apresentou me a dez coronéis presentes. Entretanto, a conversa foi reservada, só eu e o presidente.
Médici disse que o SNI (Serviço Nacional de Inteligência) havia preparado uma lista com opções de nomes para os ministérios, e que eu estava entre os três mais cotados para o da agricultura.
Perguntei-lhe qual era o seu programa de governo para a agricultura. Tendo sido eleito na véspera, Médici não tinha nada preparado, mas disse que como general-de-exército conhecia todo o País: “60 ou 70% dos brasileiros dependem do meio rural, então, se o ministério da agricultura resolver isso, estamos bem”, explicou. A prioridade era o café, açúcar, cacau, cereais e problemas políticos.
Eu recusei o convite, alegando que eu não poderia resolver esses problemas, uma vez que o Ministério da Agricultura não tem essa competência. “Por exemplo, o café é controlado pelo IBC, e o açúcar pelo Instituto do Açúcar e do Álcool, órgãos que pertencem ao Ministério da Indústria e Comércio. O financiamento da agricultura depende do Ministério da Fazenda, e os problemas políticos rurais mais graves são os bóias frias, que estão na competência do Ministério do Trabalho.
Médici então inverteu a pergunta e quis saber qual seria meu programa de governo. Eu disse que era preciso pensar no meio rural de maneira bem abrangente, sem se limitar a um ministério. Expliquei que as doenças e a educação rural estavam na área dos ministérios da Saúde e da Educação, enquanto que temos regiões férteis no Brasil sem meios de transporte, então seria necessário acionar o Ministério dos Transportes. Enfim, todas as pastas tinham um pouco de agricultura.Médici disse que o Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores) não tinha.E eu expliquei que como dirigente de uma cooperativa agrícola não visitava o ministério da agricultura, mais ia com freqüência ao Itamaraty. O motivo? São os acordos internacionais de comércio exterior, que afetam as importações de sementes e exportação de produtos, que dependem desse ministério.
Por fim, o presidente falou que o Ministério do Exército não tinha nada de agricultura. Eu o contrariei explicando que o Exército convoca recrutas no meio rural de forma aleatória, mas que na minha opinião deveriam ser convocados somente os analfabetos, pois com a progressiva mecanização agrícola, essas pessoas ficarão em pouco tempo marginalizadas do trabalho. Já no exército, aprenderiam a educação cívica e a alfabetização, fazendo talvez a manutenção de um tanque, conhecimento que poderia ser aproveitado fora do quartel para a manutenção de um trator. Se cada ministério fizesse a sua parte, o da Agricultura não precisaria fazer nada.
Na época, 80% das indústrias do Brasil estavam ligadas à agricultura, como fertilizantes, máquinas e alimentos. Assim, após sair da sala para conversar com os dez coronéis, Médici retornou oferecendo o Ministério da Indústria e Comércio.
P: O senhor ficou apenas quatro meses no cargo.
Yassuda: Fui contra muitas coisas que aconteciam. Por exemplo, fui sempre a favor da privatização, entendendo que empresas como a Petrobras e a Volta Redonda, não poderiam sofrer tanta troca de dirigentes, o que acontecia a cada novo presidente da república. Outro problema é que os presidentes eram sempre generais, e você sabe como é, quem fica a vida toda dentro do quartel só conhece outro militar, e aí as pessoas de confiança são sempre do mesmo grupo. Na verdade, tentei fazer muitas coisas mas vi que era impossível realizá-Ias. Havia também interesses contrariados de grandes grupos, como o das seguradoras estrangeiras. Fizeram campanhas difamadoras contra minha pessoa, mas de forma inteligente, nunca criticando abertamente a questão. Veja, a prefeita Marta Suplicy pode estar fazendo vários trabalhos bons, e pode estar contrariando interesses, mas ela vira matéria de capa quando decide passar as férias com o namorado em Paris. É mais ou menos isso. Faziam matérias falando dos problemas da indústria, e ao mesmo tempo destacavam a minha participação em festas. Chegavam também cartas anônimas ao presidente criticando o meu trabalho. O salário de ministro também não era atraente, tanto é que o meu secretário na Cooperativa tinha salário melhor.
P: Quando assumiu o Ministério, o senhor se desligou da Cooperativa onde era o Superintendente. Por quê?
Yassuda: Eu já acumulava cargos externos à Cooperativa, como o de presidente da Confederação Nacional da Agricultura, e eu sabia que não daria para administrar uma empresa daquele porte ocupando um cargo público desse tipo. Recebia muitas propostas para ocupar secretarias de Estado, empresas e bancos, mas sempre recusei. Só resolvi aceitar depois de decidir sair da Cooperativa. Antes de ser ministro, fui secretário do Abastecimento do município.
P: Voltando à pergunta anterior, por que o senhor deixou a Cooperativa, que afinal era uma empresa em grande expansão?
Eu sempre gostei muito da Cooperativa. Comecei como agricultor em Pindamonhangaba e estudei agronomia em Piracicaba. Fui eleito pelos agricultores como representante e fui galgando postos dentro daquela empresa. Eu era muito conhecido por saber convencer as pessoas. Mas a Cotia, crescendo muito rapidamente, precisava tomar decisões fundamentais naquela época. E eu fui contra três dessas questões. Primeiro, votei contra a transformação daquilo em Cooperativa Central, preferia que cada região tomasse suas decisões. Fui contra a aquisição de uma fábrica de óleo no Paraná, pois a empresa não tinha participação dos agricultores da região. E por fim, fui contra a eleição de um funcionário para o posto de diretor. É que o cargo é eletivo, e é inegável que ele não gostará de voltar a ser funcionário caso não seja reeleito. Então é provável que esse diretor faça concessões para garantir preciosos votos. E dependendo do posto que ele ocupa, ele terá ferramentas para favorecer alguns grupos, enquanto que o agricultor só dependerá de seu prestígio dentro da sua comunidade. Quando o diretor é um agricultor, então ele volta para a sua terra se não for reeleito, e não tem problema. E eu achava que a Cotia tinha que manter o seu cheiro da terra. Mesmo assim já tínhamos estudos para profissionalizar a administração, contratando uma equipe de alto nível cujos integrantes seriam funcionários, podendo ser despedidos rapidamente, enquanto a diretoria seria eleita entre os agricultores como vinha sendo. Com o porte que a Cotia tinha, seria possível contratar um grande economista ou um ex-diretor do Banco Central.
Como eu imaginava, depois daquele funcionário ser eleito diretor, após três gestões, todos os cargos disponíveis foram preenchidos por funcionários e não mais por agricultores.