Undoukai
Entre os japoneses e descendentes que vivem fora do Japão um evento em particular é referência universal. Uma atividade comunitária, que une famílias inteiras com brincadeiras ingênuas e gera algumas das melhores lembranças da infância. Francisco Noriyuki Sato e Cristiane A. Sato, consultores do Cultura Japonesa, explicam aos que ainda não conhecem o que é o undoukai (Gincana Poliesportiva), e aos que já tiveram a oportunidade de participar de um, falam das origens deste evento tão apreciado que continua, geração após geração, sendo realizado com carinho e entusiasmo.
O que é um undoukai?
Traduzindo-se “ao pé-da-letra”, undoukai significa “reunião ou encontro de esportes”. Entretanto, ao contrário da conotação altamente competitiva ou profissional que têm os encontros ou meetings de atletismo, num undoukai todos os participantes são pessoas comuns, que não são necessariamente praticantes de uma modalidade esportiva específica. Sendo todos os participantes atletas-de-um-dia amadores, convencionou-se traduzir undoukai como “gincana poliesportiva”.
Organizado por comunidades locais, as atividades de um undoukai são prioritariamente direcionadas às crianças, que não comparecem ao evento para testar seus limites, mas para brincar e interagir não apenas com outras crianças da mesma idade, como também com suas próprias famílias e com todo o resto da comunidade. O senso de grupo e de comunidade é fundamental para a própria existência e realização de um undoukai (afinal de contas, sem a comunidade não há como organizar e fazer o evento acontecer). Diferentemente do padrão de encontros de atletismo ou campeonatos esportivos, realizados com grande formalidade e grau de disputa, um undoukai é evento informal; um dia de fim de semana em família.
Atualmente no Japão
No Japão, os undoukais são realizados em escolas, uma vez que as escolas funcionam como bases da vida comunitária e pelo aspecto prático de possuirem espaço aberto para que eventos do tipo possam ser realizados, num país onde espaço é quase um luxo. Um undoukai é um evento aguardado e organizado com grande antecedência e ansiedade pela comunidade – dos alunos aos professores e administradores da escola, das crianças aos pais. Meses antes da realização do evento, comissões são formadas para montar barracas, angariar brindes e prendas, preparar objetos e acessórios que serão usados nas atividades e definir quem atuará na organização direta no dia do evento. Poucos dias antes do evento, o campo ou terreno da escola vira um formigueiro de atividade frenética: barracas são erguidas, bandeirolas são penduradas, marcações são delineadas no chão, caixas de material são distribuidas, equipamentos de som e fios são instalados. Adultos e crianças, todos trabalham.
Na véspera, em casa, os preparativos continuam. Uma troca de roupa limpa para cada membro da família vai para uma sacola (todos vão correr, pular e se sujar para participar das brincadeiras ao longo do dia, e fica difícil enfrentar o caminho de volta para casa num carro com todos cobertos de suor e poeira). Mesas e cadeiras dobráveis são colocadas no porta-malas. Mães preparam bentõs (lanches para viagem) caprichados, suficientes para alimentar a família inteira que ao longo do dia ficará mais esfomeada ainda de tanto correr e pular, à base de onigiri (bolinho de arroz branco japonês) ou de musubi (bolinho de arroz temperado), sasami furai (tiras de peito de frango empanado), yakizakana (pedaços de peixe grelhado), tempura (legumes empanados), kyuri sando (sanduíches de pepino e maionese em pão de forma), tsukemono (conservas de legumes como nabo, cebolinhas, acelga ou raiz de bardana) e umeboshi (pequena ameixa japonesa azeda). Caixas e cestas de piquenique com comida e bebidas preparadas de madrugada ou nas primeiras horas da manhã são rapidamente levadas ao carro, e a família segue para a escola. É preciso chegar bem cedo. Embora os undoukais comecem oficialmente às 9 ou 10 horas da manhã, filas para entrar e pegar bons lugares para se acomodar se formam às 6 ou 7 da manhã.
Como há atividades para todas as faixas etárias e ambos os sexos, é comum que parentes que morem fora da cidade, como avós, tios e primos, “engrossem” o grupo familiar no evento. Apesar da aparente simplicidade e de um ar de anacronismo que dá a impressão de que os undoukais não mudem há décadas, a popularidade evento caiu nos anos 70 e 80, quando foi visto como algo arcaico e fora de moda. Criado no fim do século XIX – época em que a maior parte de seus participantes viviam em comunidades rurais – o undoukai passa por uma revalorização neste início de século XXI, por ser uma das poucas oportunidades do ano em que diferentes gerações de famílias, atualmente com estilos de vida urbanos e agendas cheias, se reúnem para desfrutar de um dia de diversão com sua comunidade. Resistindo ao tempo, e inspirando nostalgia de uma fase em que a vida parecia mais simples e menos violenta, os undoukais são eventos hoje bastante ansiados e procurados.
No outro lado do mundo
No Brasil, undoukais são realizados em clubes ou por associações de japoneses e seus descendentes. Tão popular e antigo é o undoukai que o primeiro realizado “no Brasil” foi feito antes mesmo dos primeiros imigrantes pisarem em terras tupiniquins, pelos passageiros que estavam a bordo do navio Kasato Maru em 1908 – o primeiro a trazer oficialmente um grande grupo de imigrantes pelo acordo assinado entre o Brasil e o Japão em 1895 – que ocuparam todo o deque superior externo do navio para assistir e participar das corridas e brincadeiras. Desde então, em terra, os undoukais passaram a ser realizados anualmente e tornaram-se uma tradição. Ao se estabelecerem no Brasil, os imigrantes sentiram necessidade de promover eventos de integração social e a realização de undoukais foi uma escolha natural, partindo-se do fato de que, independentemente de qual região ou província vinham as famílias de imigrantes, todos conheciam e sabiam como funcionava a dinâmica de um undoukai.
Atualmente, os undoukais são realizados no Japão no mês de outubro – especialmente no dia 10, data em que se comemora o Taiiku no Hi (Dia dos Esportes). No Brasil, os undoukais são realizados no mês de maio. Os motivos de tal diferença de datas são explicados mais detalhadamente adiante, no ítem “A História do Udoukai”.
Principais provas de um undoukai
Os nomes das atividades e as próprias brincadeiras programadas num undoukai podem variar conforme características da região – se a comunidade é urbana ou rural, por exemplo – mas no geral elas são realizadas quase sempre do mesmo modo: corridas individuais, em duplas ou de grupo, que exigem mais coordenação de equipe e habilidade do que força ou velocidade. E embora o evento seja visto como uma “gincana poliesportiva”, pela própria descrição das provas e competições percebe-se que há mais um aspecto lúdico em tais práticas, do que um caráter esportivo propriamente dito.
- Gojyū meetoru kyōsō (corrida de 50 metros rasos), para crianças.
- Hyaku meetoru kyōsō (corrida de 100 metros rasos), para crianças.
- Riree (corrida de revezamento 4 X 400 metros), para adultos, masculino e feminino.
- Ninin sankyaku (corrida de 3 pernas), para crianças e para adultos. Em duplas, amarra-se a perna direita de uma pessoa à perna esquerda da outra, que abraçadas pelos ombros ou à cintura correm juntas por 50 metros.
- Geta kyōsō (corrida de “guetá” – tamanco de madeira japonês), para grupos mistos (homens, mulheres, crianças, jovens e idosos) de 4 pessoas. Usando um par de “guetás” – apelido dado a um par de esquis de madeira rústico, com tiras largas nas quais encaixam-se os pés calçados – o grupo deve andar o mais rápido que puder sem cair por 50 metros.
- Yomesan sagashi (corrida da “procura de noiva”), para jovens solteiros, homens e mulheres. Um grupo de rapazes é formado na linha de partida, e um grupo de igual número de moças é formado na metade do percurso da corrida. Na metade da distância entre os dois grupos, cartões com os nomes de cada moça são deixados no chão. Os rapazes saem correndo; cada um pega um cartão e vai até o grupo das moças, procurando e chamando pela jovem cujo nome ele pegou. Assim que encontra seu par, ambos devem correr de mãos dadas até a linha de chegada. Há também uma versão desta corrida para idosos e crianças, Mago sagashi (corrida da “procura de netinho/a”).
- Supuun reesu (do inglês “spoon race” – corrida da colher com ovo), para senhoras (mulheres casadas). Equilibrando um ovo numa colher de sopa em uma das mãos, as senhoras devem percorrer 50 metros, e chegar sem deixar o ovo cair e sem segurá-lo com a outra mão.
- Karimono kyōsō (corrida do “empréstimo”), para crianças. Meninos e meninas correm numa pista, que tem na metade do percurso cartões com o nome de um objeto comum (caneta, chaveiro, cinto, lenço, relógio de pulso, telefone celular, presilha de cabelo, pulseira, etc.). Cada um pega um cartão e vai até amigos e familiares, pedindo emprestado o objeto citado no cartão. Assim que alguém lhe dá o objeto, a criança volta ao percurso para terminar a corrida e devolve o objeto a seu dono.
- Tsunahiki (cabo-de-guerra), misto, para grupos de crianças e grupos de adultos.
- Takara sagashi (corrida da “caça ao tesouro”), para crianças. Divide-se a distância a ser percorrida em 3 terços. A um terço da linha de partida, são colocados no chão cartões com o desenho de um objeto, a a dois terços são colocados fora de ordem cartões com o nome de cada objeto correspondente. As crianças devem sair correndo, pegar um cartão desenhado, chegar aos cartões escritos e encontrar aquele que corresponde ao cartão desenhado. Assim que achar o cartão correto, deve terminar o percurso.
- Taiya korogashi kyōsō (corrida de pneus), para crianças e para adultos. Corre-se empurrando pneus com as mãos por 50 metros.
- Kani kyõsõ (corrida de caranguejo), para crianças e para mulheres. Em duplas, abraçadas de costas e correndo de lado, percorre-se 50 metros.
- Sakana tsuri kyōsō (corrida da “pesca da garrafa”), para homens e para mulheres. O “peixe” a ser pescado, na prática, é uma garrafa vazia colocada em pé na metade do percurso. Varas com um barbante e um prego de pelo menos 5 cm amarrado ao meio são deixadas no chão a alguns metros da linha de partida. Cada participante sai correndo, pega uma vara, chega às garrafas e deve, a dois passos de distância, fazer com que o prego entre na garrafa. Com a garrafa presa à vara pelo barbante com o prego, o participante deve completar o percurso sem deixar a garrafa cair.
- Keisan kyōsō (corrida do cálculo), para crianças. Cartões com uma proposta de cálculo simples sem o resultado são deixadas no chão, na metade do percurso (por exemplo, 5+3=, 7X2=, 10-8=, etc.). Munidas com um lápis, cada criança corre, pega um cartão, escreve o resultado e termina o percurso. Obviamente vence a criança que chegar primeiro com o resultado correto escrito no cartão.
- Tamaire kyōsō (bolinhas ao cesto), para crianças. Dividem-se as crianças em dois times, que correspondem às cores – geralmente branco e vermelho – de dezenas de bolinhas de pano recheadas com retalhos, do tamanho de bolas de beisebol. Uma pessoa – de preferência com um capacete na cabeça – segura no centro do campo um grande balde instalado na ponta de uma vara ou cano com aproximadamente 4 m de altura, no qual as crianças devem durante 5 minutos jogar e tentar encestar o maior número de bolas da cor de seu time.
Brindes simples (cadernos, lápis, canetas e sabonetes para as crianças e os homens; utensílios domésticos como potes plásticos, colheres, conchas, escumadeiras e hashis longos usados na cozinha para as mulheres) são distribuídos a todos os participantes, de modo que é difícil dizer que haja perdedores. Normalmente, o grande prêmio nada mais é do que segurar a bandeirinha número 1 na linha de chegada pois num undoukai a idéia principal resume-se ao já conhecido, tão repetido, mas nem sempre corretamente compreendido e praticado jargão de que no esporte o importante não é vencer, mas participar. O que se procura neste simples evento de integração comunitária é ensinar com pequenas práticas o prazer do trabalho em equipe e o valor da vitória honesta. O como o indivíduo participa do undoukai é mais importante que o resultado que ele obtém nas provas.
Entre as provas do período da manhã e as do período da tarde há um intervalo, no qual se faz uma pausa para um almoço (a hora de “avançar” no bentõ). É comum que os participantes também aproveitem o período do intervalo para dançar o tradicional Bon Odori (“dança de finados”, uma forma de dança de passos simples e relativamente lenta, de coreografia circular, bastante popular entre os mais velhos) ou ritmos mais modernos e vigorosos, como o street dance japonês (uma versão suavizada do hip hop ocidental mesclado com pop nipônico) e o Yosakoi Soran (mistura das danças folclóricas tradicionais Yosakoi Bushi da província de Kochi e Soran Bushi da província de Hokkaido com ritmos modernos do J-Pop), extremamente popular entre os jovens.
Todas as atividades concernentes ao undoukai – dos preparativos à cerimônia de encerramento no final da tarde, com os alunos em filas ou grupos no centro do campo, e familiares e professores ao redor em pé para escutar o discurso do diretor ou diretora da escola – foram concebidos para não apenas promover uma competição amigável entre estudantes, mas um senso de aproximação coletiva, envolvendo filhos com pais, alunos com professores, e indivíduos com comunidade. Este tipo de convívio antes comum no passado, quando as comunidades rurais eram compostas por famílias numerosas e necessidades do grupo eram priorizadas, no mundo moderno tornou-se raro. A influência de estilos de vida das sociedades industrializadas ocidentais, que priorizam o individualismo, alterou valores e práticas na sociedade japonesa contemporânea, que resultou no afastamento das pessoas de suas comunidades. O undoukai permite que o indivíduo tenha uma experiência ou volte a ter uma vida em comunidade, sem a qual os japoneses acreditam que uma pessoa não se sinta completa ou se realize plenamente.
A história do undoukai
O modelo do atual undoukai foi criado no século XIX, no início da Era Meiji (1868-1912), e embora atualmente a “gincana poliesportiva” seja essencialmente um evento civil e familiar, na origem era uma atividade militar. Registros da Marinha indicam que o primeiro undoukai teria sido realizado em março de 1874, num centro de alojamentos em Tóquio, sob a orientação de um instrutor inglês. Então chamado de “athletic sport”, o dia de competições abrangeu alguns tipos de corridas, arremesso de peso e algumas disputas de caráter mais divertido, como a “perseguição ao porco” (prova na qual vence o rapaz que conseguir pegar apenas com as próprias mãos um estabanado suíno besuntado com banha, que foge de seus perseguidores correndo a esmo), atividade aparentemente associada às festividades de colheita agrícola na Inglaterra. Em 1878, a Escola Agrícola de Sapporo, na província de Hokkaido, promoveu um evento parecido com o “athletic sport” de Tóquio, ao qual se deu o nome de Rikigeikai (reunião de força e arte). Alguns anos depois, em 1885, a Universidade de Tóquio realizou uma competição do tipo, na qual usou-se pela primeira vez a expressão undoukai, que era o nome do Departamento de Esportes da Tōdai (contração de Tōkyō Daigaku, Universidade de Tóquio).
No final do século XIX, o Japão passou por um período de rápida industrialização e de modernização das instituições e da sociedade, seguindo moldes ocidentais. Nessa mesma época, seguindo a mesma política armamentista das potências européias, o governo japonês adotou uma ideologia nacionalista pautada numa crscente militarização da população civil: a ideologia do kokutai (“essência do país”, ou “essência nacional”), sintetizada no lema “fukoku kyõhei” (“enriquecer o país e fortalecer o militar”). Durante a primeira guerra sino-japonesa, ocorrida em 1894 e 1895, muitos soldados japoneses adoeceram, e o governo da época concluiu que para ter soldados mais saudáveis e bem preparados era necessário que a população fosse melhor preparada desde a infância. Assim surgiu a idéia de se usar as escolas para fornecer a base de tal preparação.
A introdução do undoukai nas escolas primárias surgiu nesse período, como parte de um projeto maior de introdução de treinamento militar para crianças na escola. Entendia-se que a educação física devia servir ao objetivo de fazer a criança aprender a noção de consciência nacional com o próprio corpo e por isso, ao invés de difundir esportes como o judô ou o sumô – que apesar de tradicionais implicavam em uma prática individual – o governo priorizou as modalidades em grupo. O undoukai logo tornou-se a ocasião ideal para as escolas, uma vez ao ano, apresentar os resultados do treinamento físico e do aprendizado ideológico das crianças – uma característica que perdurou até o fim da 2ª Guerra Mundial, em 1945.
Entretanto, as escolas japonesas no século XIX eram via de regra pequenas e mal equipadas. Assim os undoukais da época eram organizados pela comunidade, com a participação de várias escolas de uma região, e usando um jinja (templo xintoísta) local, templos estes que normalmente possuem amplas áreas para realização de festivais. Como as escolas ficavam longe do jinja, era comum que os professores organizassem caminhadas para levar os alunos ao local. A caminhada em grupo ao local do undoukai foi chamada de ensoku (excursão; caminhada longa), e por isso o próprio evento foi apelidado de ensoku undoukai durante muitos anos. Até 1965, o undoukai era realizado em setembro, quando terminam as colheitas. Nesse ano foi estabelecido o feriado de Taiiku no Hi (Dia dos Esportes), e a partir de então passaram a ser realizados em 10 de outubro. Essa data marca a abertura das Olimpíadas de Tokyo de 1964.
No Brasil, a maioria dos undoukais é realizada no mês de maio, por causa do clima adequado, e também por que é o mês dos meninos no Japão. O local do undoukai é decorado com um grande mastro que tem na sua ponta o koinobori, que são grandes pipas de tecido em forma de carpas, tradicional símbolo do Dia dos Meninos (Kodomo no hi).
A partir de 1900, determinou-se que todas as escolas no Japão construíssem espaços apropriados para a prática de educação física, na proporção de 1 tsubo (cerca de 3,30 m2) para cada aluno da escola. Na virada do século XX, o número de alunos por escola no Japão chegou à média de 300 crianças, e desde então as escolas japonesas vêm mantendo amplos espaços externos para práticas esportivas. A implantação de tais espaços permitiu que as escolas se tornassem os locais adequados para a realização dos undoukais, ao invés dos jinjas. Quando o Japão perdeu a 2ª Guerra em 1945, o undoukai já era um evento social das coletividades integrado à cultura popular japonesa. O governo de ocupação americano (1945-1952) permitiu que os undoukais continuassem sendo realizados nas escolas, mas procurou retirar ou amenizar o caráter militarista do evento, ganhando o caráter de evento cívico comunitário que tem hoje.
Assim, por exemplo, as músicas tocadas e cantadas nos undoukais, que até então eram invariavelmente marchinhas militares, foram substituídas por canções infantis. Hoje escuta-se num undoukai uma grande variedade de sucessos infantis: do hit dos anos 50 “Zõsan” (O Elefante), a “Dangosan Kyõdai” (Os Três Bolinhos Irmãos), tema de um programa infantil da tevê NHK que bateu recordes de vendas nos anos 90, passando pelos ritmos acelerados e dançantes das Mini-Moni (contração de Mini Morning Musume, grupo de meninas cantoras pop com menos de 14 anos de idade, de grande sucesso entre crianças até 12 anos no Japão).
Resquícios da origem militar do undoukai ainda podem ser vistos – ou melhor, ouvidos – nos eventos realizados no Brasil. Até hoje, a principal música tocada na abertura dos undoukais nipo-brasileiros é “Gunkan March” (Marcha do Navio Militar), marcha composta em 1897 por S. Toriyama e T. Setoguchi para a marinha japonesa, que de modo poético fala sobre uma “fortaleza flutuante que protege os quatro cantos do império”, embora atualmente poucos sequer aparentem entender a letra.
O incerto futuro do undoukai
Embora no Japão o undoukai esteja atualmente passando por uma fase de popularidade renovada e crescente, no Brasil vários fatores vêm nas últimas três décadas reduzindo o número de participantes, tanto entre os voluntários que organizam e realizam o evento, como entre os que vêm apenas para brincar.
O primeiro fator é de ordem física. Necessitando de grandes espaços abertos – do tamanho de pelo menos um campo de futebol – os lugares para a realização de um undoukai, com o crescimento das cidades são cada vez mais raros, e nas grandes metrópoles, caros demais.
Um segundo fator, de ordem sócio-econômica, tem relação com o fenômeno decasségui. Expressão que significa “trabalho longe de casa”, ela designa um enorme grupo de brasileiros desecendentes de japoneses que desde 1989 emigram legalmente para o Japão, à procura de melhores salários e oportunidades de trabalho. Estimativas oficiais apontam que existam atualmente 250 mil imigrantes brasileiros no Japão (considerando que o número total de nipo-brasileiros é de pouco menos de 1 milhão e 400 mil pessoas, 20% da comunidade não se encontra mais no Brasil). Parte dos decasségui planeja retornar ao Brasil com economias, mas uma crescente parcela deles conquista condições de vida e patrimônio de classe média no Japão (emprego ou pequeno negócio próprio, casa própria equipada e carro novo), e atraídos pela economia estável, pela segurança pública e pelo ensino de qualidade para os filhos, decidem estabelecer-se de vez no arquipélago. Nos últimos anos, famílias inteiras de nipo-brasileiros – em geral jovens ou adultos em fase produtiva – estão se transferindo em definitivo para o Japão, enquanto no Brasil muitas comunidades estão cada vez mais se restringindo a idosos ou aos jovens demais para emigrar, e algumas já ameaçam desaparecer. A redução da comunidade nipo-brasileira é visível na diminuição do público dos undoukais e na quantidade em que tais eventos são realizados.
Um terceiro fator – talvez o mais polêmico e de difícil solução – é de ordem cultural, mais especificamente, da desaculturação dos descendentes de japoneses. Na procura de uma identidade ocidental, a maior parte dos nipo-brasileiros afastou-se das comunidades de imigrantes e deixou de lado sua herança oriental. Chegou-se ao ponto de, por exemplo, atualmente ser fácil encontrar em São Paulo descendentes de japoneses que falam fluentemente inglês e alemão, mas que não conseguem entender quase nada em japonês. A maioria dos nipo-brasileiros mal conhece a história do Brasil – o que dizer então da história milenar do povo do qual descendem diretamente?
Embora pareça que ser nipo-brasileiro deveria implicar numa somatória de duas culturas, na prática isso não ocorreu como regra. Pelos mais diversos e imagináveis motivos, que vão desde conflitos familiares, discriminação social ou racial, acontecimentos históricos ou meras escolhas pessoais, fato é que a maior parte dos nipo-brasileiros achou mais conveniente afastar-se das comunidades de imigrantes e de suas atividades, para dedicar-se a estilos de vida e valores ocidentais, entendendo que para ser brasileiro era necessário distanciar-se da raiz japonesa. A crise de identidade dos nipo-brasileiros, gerada pelo choque de duas culturas diferentes entre si – até antagônicas em alguns aspectos – causou ao longo de décadas um afastamento voluntário de muitos descendentes das comunidades e, por tabela, dos undoukais.
Nos últimos anos o crescente interesse e valorização de aspectos da cultura japonesa pela sociedade brasileira, como a culinária, filmes e desenhos animados, os mangás (quadrinhos japoneses), artes marciais, o karaokê e o budismo, fez com que parte dos descendentes de japoneses – principalmente os mais jovens, sanseis (“3ª geração”, netos dos imigrantes) e yonseis (“4ª geração”, bisnetos dos imigrantes) – também se interessassem pela cultura japonesa, procurando resgatar a herança oriental menosprezada pela geração anterior, frequentando as atividades das comunidades ainda existentes. Pensando no futuro dos próprios filhos, e mesmo que muitos entre eles não tenham ido a undoukais na infância, sanseis e yonseis atualmente lutam para preservar a tradição do evento, e gerar boas lembranças de família e de comunidade.
25/maio/2006
AO USAR INFORMAÇÕES DESTE SITE, NÃO DEIXE DE MENCIONAR A FONTE www.culturajaponesa.com.br – Francisco Noriyuki Sato e Cristiane A. Sato
LEMBRE-SE: AS INFORMAÇÕES SÃO GRATUÍTAS, MAS ISTO NÃO LHE DÁ DIREITO DE SE APROPRIAR DESTA MATÉRIA.
CITANDO A FONTE, VOCÊ ESTARÁ COLABORANDO PARA QUE MAIS E MELHORES INFORMAÇÕES SOBRE DIVERSOS ASSUNTOS SEJAM DISPONIBILIZADOS EM PORTUGUÊS.
Que beleza de artigo!
Se o Brasil seguisse esses exemplos….
Sempre gostei MUITO de Undoukai (quando criança em Marília; no Rio de Janeiro através de Undoukai da Associação Nikkei do Rio de Janeiro, onde pertenço à diretoria desde 1989).
PARABÉNS para Francisco Noriyuki Sato e Cristiane A. Sato pelo excelente artigo!!!!
FELICIDADES a todos que realizam e participam de gincanas poliesportivas!!!
Teruko Okagawa Monteiro
Parabéns aos autores pelo post!
Os aspectos históricos do undoukai eu não conhecia, e o artigo ajuda a explicar coisas que havia notado e não sabia explicar, porque não conhecia a origem.
Me trouxe boas lembranças da minha infância (em Londrina), mas que também acendeu o desejo de auxiliar pra que esta tradição continue atraindo famílias e fascinando crianças.
Estou Vice-presidente de um clube num condomínio em Vinhedo-SP e no intuito de organizar atividades ao ar livre para promover maior integração entre as famílias, lembrei do undoukai. Quando fui pesquisar, encontrei esta excelente matéria, muito elucidativa e completa. Parabéns pelo trabalho de divulgação da cultura japonesa, o que nos motiva a preservá-la.
Oi Leni, obrigado pelo elogio! Francisco Sato
Muito bom!!!
Faço parte dos Kenjinkais do KYUSHU BLOCO e fazemos todos os anos o UNDOUKAI com mais de
1000 participantes.É a maior alegria!
Gostaria que postassem MASTROS com Bandeiras e Koinoboris para aprendermos a forma certa.
Parabens!!!
Ilda Tamada Yojo
Eu e meus amigos de infância, eramos crianças entre 8 e 12 anos nos anos 70 e costumavamos participar junto com as comunidade japonesa, do que chamavamos entre nós crianças brasileiras, de Festa Japonesa, que na realidade era o Undoukai, um amigo de descendência Nipônica, costumava nos avisar. Kasuo, Kioshi , Massaiuki e Akira, espero ter escrito corretamente, eram primos e amigos nossos. Eramos crianças na cidade de Santo André. Foi uma verdadeira viagem no tempo ver essa postagem. Meu muito obrigado a toda colônia Japonesa por momentos tão especiais.
Fantástica aula de cultura japonesa. Muito obrigado