O comércio no Japão

 

O Japão venceu as barreiras do preconceito para ser um país comerciante. Mas nem sempre foi assim! Saiba as causas.

No final do século X, quando a China entrou na Era Sung, navios chineses começaram a chegar no Mar do Japão trazendo perfumes, remédios e seda para vender, enquanto, em contrapartida, o Japão entregava ouro, pérola e mercúrio para a China. Esse pequeno comércio de pequeno porte manteve-se por dois séculos, quando o Japão, por sua vez, também começou a enviar navios mercantes para a China. Era um comércio passivo, mais uma troca de mercadorias do que propriamente um negócio que envolvia lucros.

Embora a Europa já vivesse uma fase de expansão mercantil, com a divisão do mundo em dois, a partir do Tratado de Tordesilhas pela Espanha e Portugal, o Japão, neste mesmo período, estava à margem desses acontecimentos. Porém, Portugal sabia que o Japão estava na parte do mundo que lhe pertencia, assim, era seu direito tentar estabelecer uma rota comercial com aquele país. Junto com os mercadores portugueses, os jesuítas da Companhia de Jesus avançariam para o Japão a fim de catequizar os japoneses.

Portugal, a grande potência econômica do século XVI, tinha chagado a Malaca, na Malásia, e tomado posse, pois ela desempenhava um importante ponto comercial e estratégico do oriente de 1511, para em seguida, avançar pelos mares nebulosos da China. O primeiro português a aportar no Japão foi Fernão Mendes Pinto, que tinha naufragado juntamente com dois outros comerciantes, Antônio da Mota, Francisco Zeimoto e Antonio Peixoto. Em Relance da História do Japão, escrito por Wenceslau de Moraes, em 1897, inicia-se: “No ano de 1542, reinando o imperador Go-Nara e sendo xogun Ashikaga Yoshiteru, chegaram os portugueses ao Japão, impelidos por uma tempestade, que os arremessa até a costa de Kagoshima, na ilha de Kiûshû; e assim descobrem o império ao mundo ocidental. Quem eram eles? Fernão Mendes Pinto e os seus dois companheiros de trabalho? Assim parece, posto que esteja longe de provado. Mas pouco importa. Foram os portugueses os primeiros europeus que deram vista ao Japão; o que basta para nossa glória; o que basta para nossa glória de descobridores incansáveis e arrojados”.

Apesar de Mendes Pinto ter reiterado para si a rota comercial para o Japão, somente no ano seguinte, em 1543, um navio de bandeira portuguesa ancora em Tanegashima, quando o chefe da ilha adquiriu duas espingardas, iniciando o comércio, e que seria monopolizado pelo portugueses por várias décadas. O comércio torna-se intenso depois de 1557, quando Portugal fixa uma base comercial em Macau, no litoral chinês, de onde impõe mais vigor no relacionamento. Seus navios passaram a fazer escala em Nagasaki e Hirado (Kyushu), trazendo a seda da China, produtos diversos dos países do Sudeste Asiático e uma parafernália de novidades da Europa.

Mesmo após a interrupção do comercio com a China e Coréia, por ordem do generalíssimo (kwanpaku) Hideyoshi Toyotomi, o Japão manteve o intercâmbio comercial com Portugal. Mas outros países, igualmente, passaram a se interessar pelo mercado japonês, é o caso da Espanha, Inglaterra e Alemanha.

Portugal e Espanha procuravam também difundir a religião católica, o que não era bem visto pelos dirigentes do arquipélago. No inicio, o então generalíssimo Nobunaga Oda e, posteriormente, Hideyoshi Toyotomi, mostraram-se favoráveis com a introdução do cristianismo, pois, entre os budistas, uma guerra havia sido declarada desde o século X, estendendo-se até o fim do século XVI. É a época dos monges guerreiros sohei, do monastério Hiei-zan, espalhando terror pelo interior do Japão, ameaçando a unificação do Japão e enfraquecendo a autoridade central. Por esse motivo, o cristianismo foi tolerado e, inclusive, num certo momento, incentivado.

A intriga com os jesuítas inicia-se com maior intensidade, em 1600, com a chegada da caravela holandesa Liedfe, ancorando em Sashio, no litoral da província de Bungo. Os Jesuítas acusam-no de corsários, porém, a habilidade do piloto inglês Willian Adams (1564-1620) convenceu Ieyasu Tokugawa, tornando-se, mais tarde, seu conselheiro. Neste mesmo ano, Ieyasu vence a Batalha de Sekigahara, aniquilando os partidários de Hideyoshi Toyotomi, cujas fileiras encontravam-se os daimyo (Lorde) católicos. Quanto a Willian Adams, ele nunca retornou à Europa, tinha segredos que não podia desvendar para os países do ocidente.

Ao contrario de seus antepassados, Ieyasu Tokugawa proibiu a prática da religião católica no Japão, e permitiu que, somente holandeses, ingleses (estes ficaram pouco tempo) e chineses comercializassem. No entanto, os holandeses de religião protestante, rivais dos países católicos, comprometeram-se a não enviar pregadores religiosos. Nessas condições, Ieyasu, e posteriormente seus sucessores, mantiveram um relacionamento unicamente comercial com os holandeses. Por outro lado, os holandeses nunca interferiram diretamente nos assuntos internos do Japão. Assim, em 1630, com o apoio dos holandeses, o Japão expede um navio de grande porte com capacidade para 300 tripulantes rumo ao sudeste asiático, aportando em países como Filipinas e Vietnã. Mas existia nessa época uma preocupação por parte dos comerciantes, a que o governo proibisse o comercio exterior, temendo a difusão da religião e os costumes estrangeiros, nocivos à unidade administrativa e político do Japão.

Por outro lado, muitos japoneses tinham se instalado em países asiáticos, alguns com objetivos nitidamente comerciais, outros, perseguidos por serem católicos. Havia muitas cidades japonesas que preservavam o costume originário. Calculava-se que 100 mil japoneses foram trabalhar no exterior nessa época, acreditando numa vida melhor. Em algumas cidades, a população japonesa chegava a ultrapassar mil habitantes.

Em 1635, por uma decisão estratégica, o governo Tokugawa fecha os portos para os paises da Europa, permanecendo facultada apenas a ilha artificial de Dejima, construída na baía de Nagasaki, de apenas 13 km2, para, num primeiro momento, canalizar o comércio com Portugal. Mais tarde, com a expulsão dos portugueses, foi ocupada pelos holandeses.

Com a perseguição aos cristãos, a saída dos navios japoneses ao exterior foi proibida, e os japoneses que estavam no sudeste asiático não puderam mais retornar. As cidades japonesas que floresceram durante a permanência dos portugueses, com o fim do comercio exterior, acabaram desaparecendo.

Dejima foi o único ponto de encontro comercial e cultural entre o Japão e a Europa durante mais de 200 anos. Uma ponte ligava-o a Nagasaki, e nenhum navio podia se aproximar da ilha sem autorização expressa do xogun. Dentro da ilha, havia residências de comerciantes e interpretes, armazéns e uma estrutura de uma pequena cidade, porém, em sua entrada havia um forte esquema de vigilância que permitia ingresso somente dos portadores de um passaporte liberado pelas autoridades.

Conta-se que 70% do valor negociado em Dejima, em meados de 1660, referia-se à exportação japonesa de cobre. Este, por sua vez, por ser refinado num sistema rudimentar, mantinha-se impregnado de prata. Acredita-se que o Japão tenha deixado de ganhar por desconhecer um sistema eficaz para a separação do mineral. Mais tarde, este método foi desenvolvido pelos membros da família Sumitomo, de Osaka, transportando o cobre proveniente de Nagasaki. Por volta de 1680, os Sumitomo abriram um entreposto em Nagasaki a fim de promove a exportação de cobre e importar açúcar, drogas e tecidos. Nesse meio tempo, a produção de cobre do Japão atingia 6 mil toneladas por ano, possivelmente, a maior produção mundial da época. Destes, 1.500 toneladas eram monopolizadas pela casa Sumitomo.

Fim do Enclausuramento

Chegou-se a um momento que a dinastia Tokugawa entre em colapso, numa sociedade em que a burguesia tem o poder, situando-se, inclusive, à frente da nobreza guerreira. Por conhecer a paz por mais de dois séculos, o samurai não desempenhava mais um papel importante. Muitos desempregados, outros vivendo de favores, mas procurando manter o “status quo”, estavam com seus dias contados. Para piorar, em 1853 ancorou na enseada de Uraga uma frota marinha americana formada por quatro navios – dois a vapor e dois a vela – comandada pelo Comodoro Matthew Perry. As ordens do presidente Filmore eram de não tolerar humilhações de nenhum tipo e mostrar aos japoneses que estavam interessados na amizade e pediam permissão para comercializar.

Seguindo o exemplo americano, outras nações européias ameaçaram com seus vasos de guerra a soberania japonesa. Dessa forma, o debilitado governo xogunal, tendo à frente um conselheiro, o tairo (regente) Ii Naosuke, assina, em separado, acordo comercial com a Grã-Bretanha (1854), a Rússia (1855), a França (1858), Protugal (1860) e a Prússia (1861). Antes destes um tratado mais importante, o das “Cinco Nações”, assinado em 1858, permitia, na capital, estabelecer uma representação diplomática além de designar para o comércio os portos de Hakodate, Kanagawa, Nagasaki e Hyogo, e como mercados abetos ao comércio as cidades de Osaka e Edo.

Todas essas tranformações irão redundar na derrubada do xogunato Tokugawa em 1868, estabelecondo o mikado, quando o poder volta às mãos do Imperador. É o fim do feudalismo, da classe samuraica, mantendo, no entanto, uma aristocracia de origem, à maneira dos ingleses. O Japão moderniza-se, na existindo mais barreiras para o seu crescimento. Situações inusitadas levam no ao encontro de guerras – conheceu duas – para encontrar o verdadeiro caminho: a diplomacia e o desenvolvimento econômico. Hoje, tornou-se uma das nações mais ricas do mundo, sem no entanto possuir recursos naturais.

Qual seria o segredo? É o que todos querem saber. Para os japoneses está bem claro. A única forma é o trabalho. A felicidade para eles se tornou sinônimo de trabalho.

Matéria publicada em 9/89, no Jornal Portal.

Autor: Francisco Noriyuki Sato.

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