Origens do Boyish Style
Na moda ocidental houve historicamente mulheres que adotaram peças ou todo um visual masculino ao se vestirem, mas até o século 20 a coisa se restringia a poucas mulheres altamente privilegiadas a quem a sociedade tolerava como algo que considerava um “travestimento excepcional”.
Antigamente o fato de uma mulher usar roupas de homem era uma grande exceção, tolerada apenas se se tratasse de uma rainha ou uma mulher extremamente influente, rica e independente. Se não fosse esse o caso, era bem possível que uma mulher usando roupas masculinas pudesse ser marginalizada, agredida ou morta por fazê-lo. Joana d’Arc (1412-1431), heroína francesa da Guerra dos Cem Anos, foi acusada de bruxaria e queimada viva.
Um dos casos mais famosos foi o da Rainha Cristina da Suécia (1626-1689). Numa época em que as mulheres usavam espartilhos estruturados com ossos de baleia, vestidos pesados cheios de detalhes decorativos e penteados encaracolados elaborados, ela usava cabelos soltos, rosto lavado e roupas sóbrias folgadas. No dia a dia ela cavalgava usando roupas masculinas e chegou a comandar tropas vestida como homem em várias das muitas batalhas que ocorreram durante seu reinado, no qual a Suécia conquistou a condição e respeito de estado independente da Noruega e da Dinamarca.
Além de rainha, Cristina foi também uma mulher culta, patrona das artes e da ciência, amiga do filósofo René Descartes. Ela nunca se casou mas sabe-se de que ela teve um romance com Dom Antonio Pimentel de Prado, embaixador da Espanha, que se supõe ter sido a razão de posteriormente ela ter se convertido ao Catolicismo. Em 1654 Cristina renunciou ao trono sueco e fugiu para Roma disfarçada de homem, passando-se por um aristocrata chamado Conde Dohna, e viveu na Itália pelo resto de seus dias. Ao longo dos séculos a incrível história da rainha Cristina popularizou-se através do teatro e do cinema, onde ela foi sempre mostrada como uma mulher de caráter forte em roupas de homem.
Marguerite-Joséphine Weimer (1787-1867), atriz francesa da corte de Napoleão Bonaparte, tornou-se tão famosa por sua interpretação da Rainha Cristina da Suécia que adotou o nome artístico de “Mademoiselle Georges”. Nesta gravura da época, ela foi retratada com os trajes masculinos do século 17 do seu papel de Rainha Cristina.
Ao lado: Mademoiselle Georges no papel da Rainha Cristina, gravura de Auguste Toussaint (Lecler Leclerc), ínício do século 19. Abaixo, cenas do filme “Rainha Cristina” com Greta Garbo no papel principal, 1933.
Outro caso notável foi o de Amandine Dupin, baronesa de Dudevant (1804-1876). Na Paris do século 19, a aristocrata e intelectual Srta. Dupin notabilizou-se por fazer parte do grupo de artistas e escritores do movimento romântico, tendo sido amante dos escritores Prosper Merimée, Alfred Musset e do compositor Frédéric Chopin. Usando o nome artístico George Sand (um nome masculino pois na época ela dificlmente conseguiria um editor e seria respeitada pelo público se revelasse que era mulher) ela teve reconhecimento como romancista. Uma precursora do Feminismo, na juventude ela usava com frequência roupas masculinas e cabelos curtos.
Apesar desses casos, o fato é que uma mulher usando peças ou trajes completos masculinos no Ocidente era raro: muito mais uma exceção ou extravagância do que moda.
No Japão, entretanto, a adoção de peças unissex vem desde o século 11. Naquela época a guerra entre duas divisões da Família Imperial culminou com a vitória do clã Minamoto e a ascenção da classe guerreira (os samurais) ao poder. A partir de então, até o início do século 17, o Japão entrou num longo período de guerras constantes entre feudos e clãs. As mulheres da aristocracia e dos samurais adotaram o quimono de manga encurtada chamado kosode (manga pequena) e o hakama (saia-calça), peças criadas para os homens para a prática de arco-e-flecha e para andar a cavalo. Numa época de guerras constantes e considerando o estilo de vida dentro dos castelos fortificados, com muitas pessoas dividindo espaços pequenos, a forma do quimono tornou-se parecida para homens e mulheres.
Com o passar dos séculos, a estética no Japão e o padrão de beleza tornou-se cada vez mais andrógino (padrão de beleza único: um homem bonito se parece com uma mulher bonita e vice-versa). Considerando tais fatores, no Japão o fato das mulheres há séculos adotarem trajes masculinos fez com que a introdução do Boyish Style ocidental não parecesse estranho ou absurdo, sendo aceito pela sociedade com menos conotações e conflitos de gênero ou posicionamento político. Lá se tratava apenas de moda.
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