Velório, Cremação e Enterro
“Funeral” em japonês é osoushiki.
Quando possível, os japoneses trazem a pessoa que faleceu para passar uma última noite em sua própria casa, para “descansar em seu próprio futon um última vez”. Pacotes de gelo são colocados ao redor do corpo sob um lençol branco, e cobre-se o corpo com o futon, como se a pessoa estivesse adormecida. O rosto é coberto com um lenço branco. Familiares e amigos – inclusive crianças de todas as idades – vêm prestar uma última visita e despedir-se da pessoa falecida. É comum as pessoas sentarem-se ao lado – até mesmo na cama do falecido – e conversar e tocar no rosto da pessoa que morreu como se ela ainda estivesse viva.
Na manhã seguinte o corpo é levado em lenta procissão ao local onde os serviços de preparo do corpo serão feitos, caso não sejam feitos na própria residência. Dependendo da preferência da família, pode ser um templo ou uma casa funerária. Algumas cidades no Japão chegam a ter casas funerárias sofisticadas, que oferecem até comodidades como hospedagem, alimentação e serviços de cremação no mesmo local.
No Japão a maioria das pessoas se veste de preto para ir a velórios. Os homens usam ternos, sapatos e gravata preta com camisa branca. Mulheres optam por vestidos pretos sem decotes pronunciados e com mangas, sapatos e bolsa pretas. Em termos de jóias ou bijuterias, usa-se no máximo um colar simples de pérolas e brincos pequenos (solitários) de pérola. Elas também podem usar um mofuku (roupa de funeral), quimono formal de seda lisa preta, com obi (faixa larga) preta. Estudantes vão com o uniforme da escola.
As pessoas que comparecem ao velório deixam presentes em dinheiro (kõden) que serão entregues à família em envelopes especiais impressos em tons sóbrios e decorados com fitas rígidas pretas e brancas. Esses envelopes são encontrados em papelarias e lojas de conveniência, e os valores doados variam de acordo com o grau de relacionamento que se tinha com a pessoa que faleceu. No envelope deve constar o nome da pessoa que está fazendo a doação, para que a família depois providencie agradecimentos. O kõden é uma doação que as pessoas fazem para ajudar a família com as altas despesas de um funeral. Evita-se dar somas com o número 4, ou quatro cédulas de dinheiro (o número 4 em japonês tem o mesmo som da palavra “morte”, e isso é considerado uma gafe).
O monge ou monja recita sutras diante do caixão e imediatamente um por um os membros da família e amigos prestam suas últimas homenagens ao morto. A forma do ritual varia um pouco de acordo com a seita e hábitos locais, mas via de regra cada pessoa pega uma vareta de incenso, acende-a numa vela e a coloca em pé numa tigela com areia e cinzas, enchendo primeiro a parte trás da tigela (se colocar o incenso no meio ou à frente as pessoas que vierem depois podem se queimar ao depositar o incenso). Em alguns locais o incenso já vem picado numa tigela, e pega-se um pequeno punhado com as pontas dos dedos da mão direita, leva-se o punhadinho à testa e joga-se numa outra tigela ao lado, que tem um montinho de incenso previamente aceso. Então faz-se uma oração rápida (“namu amida butsu”, ou “nam myoho renge kyo” – varia conforme a seita) e cumprimenta-se o corpo ou a foto do falecido curvando-se. Os primeiros a fazer isso são os familiares da pessoa falecida, seguidos por parentes e por amigos. Os familiares sentam-se na primeira fila diante do altar, e após se curvar diante do falecido ou da foto, as demais pessoas curvam-se diante dos familiares e retornam a seus lugares.
A vigília na noite que antecede uma cremação ou enterro costuma ser uma reunião informal com conversas sóbrias e discretas, servindo-se alimentos leves e chá (no Japão é usual servir até cerveja e saquê, mas no Brasil e nos EUA não se servem bebidas alcóolicas ou fermentadas nos velórios). Durante o velório familiares e amigos podem vestir-se com roupas mais confortáveis, mas ao amanhecer as pessoas se trocam e vestem preto formal (no Brasil tal regra não é seguida à risca – há famílias que o fazem e outras não). O monge repete o ritual do dia anterior acompanhado pelos presentes.
Quando o ritual termina, as janelas da parte superior do caixão são abertas para a despedida final – nesta ocasião é comum familiares flores e arrumá-las dentro do caixão com o corpo. Dependendo dos costumes da seita ou da região, além de simplesmente fechar o caixão com as travas próprias, a tampa é fechada com grandes pregos. Em seguida o caixão é levado a um crematório acompanhado pela família e amigos, onde será feita uma rápida cerimônia. O acionamento da fornalha é feito por um membro da família, ou pode, a pedido da família ser feito por um funcionário do crematório. Enquanto a cremação é processada, a família se reúne para um almoço.
Após algumas horas, a família se reúne noutra sala para onde uma grande bandeja de metal com as cinzas e partes de ossos do falecido ainda quentes é trazida. Usando um par especial de hashis (palitos de madeira – neste caso um é de bambú e outro de salgueiro, representando a ponte que faz a passagem da pessoa de um mundo para outro), eles irão procurar um certo osso do pescoço que aparenta ter a imagem de um Buda sentado. Depois disso todos os familiares, um por um – incluindo as crianças – pegam esses hashis fúnebres e transferem partes dos ossos para um vaso. É comum nessa ocasião as pessoas pegarem punhados das cinzas e ossos, que posteriormente serão depositadas em pequenos vasos e deixadas no oratório doméstico para que parte do ente querido permaneça com eles. A maior parte dos ossos e cinzas é colocada no vaso/urna cinerária, que depois é colocada numa caixa de papel branco ou bege e entregue à família. Mas tudo isso é só o início de uma série de rituais que durarão décadas.
Em casa, a família deixará a urna cinerária no butsudan (altar doméstico budista) até providenciar a transferência definitiva da urna para o túmulo familiar num cemitério. No Budismo após o falecimento a pessoa deixa de ter o nome que usava em vida e recebe um nome póstumo, pelo qual passará a ser chamada no outro mundo. Esse nome é escrito num ihai, uma plaqueta de madeira que representa a alma da pessoa falecida. Quando a urna cinerária vai para o túmulo, o ihai e uma foto da pessoa permanecem no butsudan. Todos os dias ao acordar, os familiares dirigem-se ao butsudan para orar pelos mortos. Ao visitar uma família budista, é educado após cumprimentar as pessoas também dirigir-se ao butsudan e fazer uma reverência aos que já partiram. É assim que começa o culto aos antepassados no ambiente doméstico.
No Brasil nem todas as famílias japonesas seguem os ritos funerários japoneses. Boa parte dos descendentes nascida no Brasil deixou de praticar o Budismo e passaram a seguir outras religiões. Além disso, poucas cidades têm serviços de cremação e há uma burocracia que deve ser atendida para que se possa proceder à cremação. Como muitas vezes a pessoa que falece desconhece tais exigências e não deixa uma disposição de última vontade registrada em cartório para viabilizar sua cremação, acaba-se enterrando o morto mesmo quando ele deixa reservado um cinerário num templo. Quando a pessoa deseja ser cremada seguindo os rituais budistas, é prudente verificar antes no crematório municipal qual a documentação necessária para que familiares ou amigos possam providenciar adequadamente a cremação e a transferência das cinzas para um cinerário.
autora: Cristiane A. Sato
NOTA POSTERIOR: CREMAÇÃO NO BRASIL
No Brasil, país predominantemente católico, cremação não é um ato natural. Já pelo budismo, a cremação faz parte e é muito comum ser cremado e as cinzas serem depositadas em espaços reservados (cinerários) dentro de templos budistas. Lá, o monge realiza as cerimônias memorias com frequência, além daquelas solicitadas pela família.
Pelas leis brasileiras, pode-se optar por enterrar ou cremar o falecido, mas a autorização para cremação deve ser assinado pela esposa ou pelo esposo, ou pelos filhos diretos. Irmãos não podem autorizar isso, mesmo que a pessoa não tenha esposa(o) e filhos. Essa autorização é assinada no Crematório da Vila Alpina, em São Paulo. Pode-se fazer, em vida, um testamento sem valor patrimonial, autorizando uma outra pessoa a assinar a autorização de cremação. No caso, esse testamento deve ser lavrado em cartório, sendo necessárias as presenças do interessado e do testamenteiro nomeado, levando duas testemunhas.
No caso da pessoa falecer em hospital público, poderá haver uma outra complicação. É que se a causa da morte não for muito clara, o médico, por não querer assumir responsabilidade (no caso de questionamentos posteriores por parte da família – casos que vão parar na Justiça), o médico vai escrever no Guia de Encaminhamento de Cadáver a destinação para o IML. Com esse documento, o familiar terá que ir à delegacia indicada para fazer o Boletim de Ocorrência do falecimento. Aqui está o problema, o escrivão raciocina imediatamente que os casos que vão parar no IML não podem ser cremados. Isso ocorre porque, se a família, ou qualquer pessoa suspeitar de que houve negligência médica, ou que houve algum fator externo àquela morte, pode pedir a exumação do cadáver para fins de investigação. E se for cremado, não há como fazer isso, a prova seria destruída.
Porém, é uma interpretação equivocada da lei, pois se a própria pessoa, por motivos religiosos ou outros, pediu para ser cremada, como uma autoridade policial pode negar-lhe esse direito? Pode sim, porque a lei está acima da religião. Se houvesse bom senso sim, mas não espere bom senso por parte de quem lida com bandidos violentos o tempo todo.
Para reverter tal situação, a própria delegacia recomenda que você peça autorização para o juiz. Mesmo no serviço funerário municipal, onde você encomenda o caixão e o transporte, vai ser informado do mesmo problema. Aliás, no IML também avisam que, aquele corpo não pode ser cremado a não ser com autorização judicial. Se for solicitar tal autorização, peça para o serviço funenário ou para a delegacia o endereço do Poder Judiciário onde deverá pedir o documento. Isso varia de acordo com o local onde ocorreu o falecimento. Lembre-se, isso pode demorar muito e acabar estressando os familiares diretamente envolvidos.
Entretanto, há possibilidade de resolver a questão na própria delegacia de polícia. O delegado tem autoridade para assinar uma Autorização para Liberação de Cadáver, com base na Portaria DGP número 10, de 04 de maio de 1993. Ele precisa ouvir os motivos da solicitação, e liberar a tal autorização. Aqui, não precisa constar necessariamente que a pessoa deve ser cremada. De posse desse documento, o familiar pode retirar o corpo do falecido e levar para o velório, e dali para o crematório. Se for dentro da cidade de São Paulo, o velório pode ser realizado em um cemitério de qualquer bairro e a cremação ser realizada na Vila Alpina (não há velório no crematório). O custo do serviço será o mesmo independente da distância (há uma tabela fixa que inclui o caixão e outros). Esse texto foi atualizado em 02/2015
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