out 272015
 
Gravura de "Shishimai" de Kunisada Utamaro

Gravura de “Shishimai” de Kunisada Utamaro

Existem vários tipos de Shishimai, a Dança do Leão, em todo o arquipélago japonês. Pode-se dizer que existem variações bem parecidas na China e outros países asiáticos como a Tailândia e a Índia. Há casos em que uma única pessoa faz o Leão, enquanto em outros, são duas pessoas movimentando o mesmo.

Dentre os tipos mais conhecidos, temos o estilo “Fuuryuu”, que conta a seguinte história: “O Leão vivia devorando as pessoas na Índia. Como a população da Índia estava desaparecendo, o Leão resolveu ir para a Terra de Yamato (Japão). Quando o Deus de Yamato soube disso, pediu para a raposa (kitsune), seu mensageiro, que fosse para Índia transmitir uma mensagem para o Leão, que dizia o seguinte: Em Yamato, ao invés de devorar os seres humanos, se caçar os demônios será recompensado e receberá farta alimentação. Assim, o Leão teria ido a Yamato levado pela raposa”. Na encenação, que normalmente ocorre dentro ou nas proximidades do templo xintoísta, por haver uma raposa liderando o Leão, esse estilo também é conhecido como “Shishimai no estilo Inari”. Inari é um dos Deuses do Japão e é representado por uma raposa branca. Vários templos xintoístas homenageiam o Inari no Japão.

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As fotos que ilustram esse texto são do templo Noma (野間神社), em Kanazawa, província de Ishikawa. Existem vários templos com o mesmo nome, e mesmo em Kanazawa, este não é o único. Fica no bairro de Tamaboko Machi, é bem pequeno, e é administrado pelas famílias que residem na redondeza, onde, até algumas décadas atrás, havia apenas plantações de arroz. Uma dessas famílias é a do artesão Takayuki Sugibayashi. Essa família reside no mesmo local há gerações, desde a época em que as pessoas tinham nome, mas não tinham sobrenome. Este ano, no mês de setembro, após um hiato de 6 anos, a família Sugibayashi conseguiu retomar o Shishimai, uma tradição da região. Na peça, o Leão é domado utilizando um bastão seguindo o estilo conhecido como “Izumo”, onde crianças e adultos encenam juntos. O artesão Sugibayashi conta que, para ensinar as crianças a manusearem de maneira correta o bastão, foram realizados três treinos semanais. E sua família participou da encenação: ele próprio, seu filho e até o seu neto, concretizando a participação de três gerações da família.

O Shishimai de Tamaboko Machi é bem tradicional. Realizado desde o período Edo, quando os portos japoneses estavam fechados para a chegada de estrangeiros, só a cabeça do Leão tem mais de 160 anos de idade. Entalhado cuidadosamente sobre a madeira conhecida como “kiri”- paulownia, que é a madeira mais leve existente no Japão, a cabeça é uma obra de grande valor artístico.

Fotos do Shishimai (acima). Autor: Takayuki Sugibayashi
Fotos do templo Noma, de Tamaboko Machi, Kanazawa (clique para ampliar). Autor: Francisco Sato
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mar 142015
 

slide hokuriku shinkansenA cidade turística de Kanazawa, na província de Ishikawa, inaugurou neste sábado, dia 14 de março de 2015, a sua estação de trem-bala. A linha, batizada de Hokuriku Shinkansen, começa na Estação de Tóquio e tem o ponto final em Kanazawa, cujo percurso demora 2 horas e 28 minutos. Até agora, esse percurso era feito metade de trem-bala (até Nagano) e metade de trem expresso, e com um intervalo para baldeação de apenas 10 minutos, o total da viagem ficava em 4 horas.

DSCN4250Há muito, os habitantes de Kanazawa esperam por esse meio de transporte. Como a cidade vive de turismo, a expectativa é grande em relação ao movimento do comércio, restaurantes e hotéis. Pelo lado da JR West, empresa que administra o trem, os preparativos foram muitos garantir velocidade, conforto e segurança. Basta lembrar que, no ano passado, em outubro, os trilhos já estavam instalados e o trem-bala percorreu várias vezes o trecho para teste e treinamento dos operadores. Até uma chefe das aeromoças da classe executiva da companhia aérea JAL foi contratada para treinar o pessoal de bordo do trem.

Estação Kanazawa

Estação Kanazawa

Para a população, a expectativa veio crescendo ao longo dos anos. A própria estação de Kanazawa, que existe desde 1898, recebeu uma grande reforma nos anos 1990, e já naquela época, deixaram espaço para as plataformas do novo trem-bala, e uma enorme área foi construída para garantir a circulação dos usuários do futuro e também para instalação de lojas e restaurantes no futuro. Deve ter sido um grande investimento para uma cidade que tem hoje 464.752 habitantes (dados de 1/11/2014).

No final do ano passado, grandes lojas foram instalar filiais na cidade, bem como redes de restaurantes foram atraídos pelo seu potencial turístico. A notícia é boa, porém, acabou causando problemas de falta de mão de obra. A gigante de restaurantes populares Sukiya (que tem filiais em São Paulo), que tem quase 2 mil lojas no Japão, teve que diminuir o horário do atendimento da loja de Kanazawa, pois não consegue contratar jovens para o atendimento. Outros restaurantes locais reclamam que a falta de mão de obra levou-os a aumentar o valor da remuneração, mesmo para aqueles que trabalham temporariamente, caso dos estudantes. Kanazawa tem sete universidades e é comum os estudantes fazerem bico nas horas livres. Mas, está faltando candidatos.

Dois tipos de linhas funcionam sobre os mesmos trilhos, perfazendo o total de 25 saídas diárias de Tóquio a Kanazawa, além de mais dois que fazem o percurso parcialmente. A velocidade máxima desses trens é de 260 km/hora.

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Painéis anunciam os horários dos novos trens. Foto de Toru Saito, da JICA Hokuriku

Kagayaki – Essa linha é a mais rápida, pois para apenas em Omiya, Nagano e Toyama.

Hakutaka – Essa linha para em todas as 14 estações pelo caminho.

Tsurugi – Percorre apenas de Toyama a Kanazawa, com parada em Shin Takaoka.

Asami – Percorre de Tóquio a Nagano, parando em várias estações.

kanazawa gueixaO novo trem-bala promete mudar os rumos da história da região. No ano passado, diversos eventos culturais e artísticos foram realizados em Tóquio, para mostrar os atrativos de Kanazawa e região, com vistas à praticidade do novo transporte. E no final de 2014, embora sem o trem, verificou-se um aumento na procura por hospedagem nas thermas (onsen) da região. Uma revista de Tóquio publicou a lista dos fatos que mais marcarão o ano de 2015, e colocou o trem-bala de Kanazawa em primeiro lugar.

Inauguração com bonecos para agradar as crianças. Foto de Toru Saito, da JICA Hokuriku

Inauguração com bonecos para agradar as crianças. Foto de Toru Saito, da JICA Hokuriku

Para a inauguração de hoje, os grupos de dança que se apresentaram fizeram longos e exaustivos ensaios, e até as gueixas da cidade saíram dos três distritos reservados a elas, levaram a sua arte e engrandeceram a festa.

dez 152014
 
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Biblioteca Kanazawa Umimirai, na foto de Satoshi Asakawa, Coleacanth K&A Architects

A prefeitura de Kanazawa administra diretamente cinco bibliotecas públicas. A de Umimirai é a mais nova, mas não a maior. Construída em 2011, traz, dentro de sua arquitetura contemporânea, grandes espaços vazios, que a deixam mais confortável. Além da arquitetura pouco comum, o prédio de três andares conta com um auditório para até 250 pessoas, um palco e uma tela de 200 polegadas. Há também quatro salas para reuniões de 20 e 30 lugares com mesas.

O que causa surpresa, entretanto, é o seu funcionamento, que é muito prático. Para consultar livros, o interessado não precisa apresentar nenhum documento ou fazer ficha e não precisa falar com ninguém. Basta ir diretamente à estante e retirar o livro desejado. Como em outras bibliotecas japonesas, os livros consultados são colocados em locais determinados, e os funcionários fazem a recolocação nas prateleiras.DSCN8117

Há um equipamento com monitor para o interessado procurar um determinado livro, semelhante àqueles encontrados em livrarias. O equipamento informará a exata localização do livro, o andar, o setor, além da medida e o número de páginas. Caso seu livro não esteja naquela unidade, o aparelho vai informar e você mesmo emite um tíquete com código de barras, e entrega para um funcionário. Ele irá providenciar para você ter o livro no dia seguinte.

Para levar o livro para casa é necessário preencher uma ficha e receber um cartão magnético. Isso, só na primeira vez. Há um equipamento para alugar os livros. Basta pegar os livros que quer (no máximo 10 livros por vez), colocar o código de barras de cada livro no leitor, que o equipamento emitirá um recibo, com a relação dos livros que está levando, e a data para devolvê-los. É só isso. É pegar e ir embora. O prazo para devolução é de 14 dias, e não é necessário devolvê-los nessa unidade. Qualquer uma das bibliotecas municipais pode recebê-los de volta, e se for fora do horário do expediente, há uma caixa de coleta sempre aberta para receber as devoluções.

DSCN8115Em termos de facilidades, há copiadoras (é permitido copiar parte do livro, nunca a obra completa), área de internet, mesas para leitura e uma área para crianças, só com livros infantis e uma salinha para brincar. Tem um estacionamento para 108 carros e 100 bicicletas. Aqui, todo o serviço é gratuito, inclusive o estacionamento.

A biblioteca Kanazawa Umimirai, que tem 400 mil volumes à disposição, funciona nos dias úteis das 10 às 19 horas, e aos sábados, domingos e feriados, das 10 às 17 horas. Fecha às quartas.

Umimirai, na foto de Satoshi Asakawa, Coleacanth K&A Architects

Umimirai, na foto de Satoshi Asakawa, Coleacanth K&A Architects

Os Prêmios – A biblioteca Kanazawa Umimirai recebeu prêmio de melhor design Cultural/Institutional da The International Interior Design Association, em 2013, foi eleita uma das quatro melhores bibliotecas do mundo, pela TV BBC inglesa, e está entre os 20 melhores projetos eleitos pelo guia Fodor’s americana.

nov 172014
 

DSCN6389A cidade de Kanazawa, na província de Ishikawa, possui três bairros onde as cha-ya (casas de chá onde as gueixas se apresentam) foram permitidas, e que continuam funcionando até hoje. São ruas estreitas com casas de madeira, todas com dois andares, e hoje a maioria é ocupada por restaurantes e lojas de doces típicos da região. O maior desses bairros é o Higashi Cha-ya Gai, ou área de casas de chá da região leste. Já foi uma região frequentada por ricos comerciantes e atualmente vive cheio de turistas do Japão e do mundo.

DSCN6410DSCN6412Uma das casas que pode ser visitada é a Shima. Ela foi construida em 1820, como uma típica e requintada casa de chá, e foi a única preservada no seu estado original até hoje. Considerada um patrimônio histórico nacional, a casa é grande e muito bonita, refletindo os gostos estéticos do final do Período Edo. Na época, quando todas as casas eram térreas, só as cha-ya tinham o andar superior. A construção, toda em madeira, era cara e construir dois andares era mais difícil. No caso das cha-ya, a sua funcionalidade exigia o segundo andar, pois era lá que os convidados eram recebidos e onde as gueixas se apresentavam. Na casa Shima, chama atenção o teto alto do segundo andar, em contraste com o primeiro andar. Teto mais alto era símbolo de riqueza, já que o custo da construção aumentava bastante. No andar inferior ficavam a cozinha, banheiro, jardim, e a recepção, ficando o depósito e o poço no porão. Nessas casas se apresentavam as gueixas, com sua música leve e dança, tudo sobre tatamis que forram a casa toda. Nas cha-ya eram servidos o chá e algum doce. Ocasionalmente, o anfitrião da festa requisitava um jantar para os convidados, e então, um restaurante fazia a entrega no local.

DSCN6430Para entrar no segundo andar da casa Shima era necessário fazer parte de um seleto grupo de comerciantes da região. Pessoas comuns não tinham acesso, mesmo pagando, pois a casa servia apenas à elite. Por incrível que pareça, os samurais e os funcionários públicos eram proibidos por lei a se divertirem nas cha-ya.

A casa Shima permite que o turista visite o estabelecimento com ingresso simbólico, mas também oferece a opção da visita com um chá (matcha da cerimônia de chá) acompanhado de um doce fresco que reflete a estação do ano. O chá é saboreado numa mesa comprida com vista para o jardim interno típico japonês.

out 282014
 

“Ohana Matsumae é uma estudante colegial comum de 16 anos que mora em Tóquio. A vida dela muda quando a sua mãe some com o namorado para fugir das dívidas. Ela precisa se mudar para Yunosagi, perto de Kanazawa, para morar com a avó e trabalhar numa pousada”. Esse é o enredo de “Hanasaku Iroha”, um mangá de P.A.Works e Eito Chida,  publicado pela revista Gagan Joker, de dezembro de 2010 a outubro de 2012. O sucesso o transformou numa série de animê com 26 capítulos, em 2011, com direção de Masahiro Ando, e um longa para cinema foi lançado em 2013. Veja o trailer com a música-tema da série de TV:

hanasaku irohahanasaku festivalA cidade de Yunosagi é fictícia, mas foi espelhada em Yuwaku, cidade vizinha de Kanazawa, na província de Ishikawa, onde existem várias pousadas de banho, como a da protagonista. No mangá aparece um festival chamado “Yunosagi Bonbori Matsuri”, que celebra a data em que o Deus protetor de uma criança volta para a sua nuvem (Izumo) e são escritos pedidos em lanternas de papel para indicar-lhe o caminho (Bonbori significa lanternas). Esse festival não existia, mas depois do sucesso da série, foi criado pela cidade de Yuwaku, e recebeu o nome de”Yuwaku Bonbori Festival”.  No ano de sua criação, em 2011, nove hotéis-pousadas da cidade estavam completamente lotadas de fãs do animê, até acontecer o tsunami de 2011, quando registraram-se muitos cancelamentos, embora a cidade estivesse bem distante da tragédia. Apesar disso, o festival continuou e, neste ano, no dia 11 de outubro de 2014, foi realizado o quarto Yuwaku Bonbori Festival, que alcançou sucesso total.

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O festival bonbori saiu do mangá e agora é realidade

Kanazawa será tema de outro mangá nos próximos meses. O mesmo autor de “Tokyo Shutter Girl”, Kenichi Kiriki, está trabalhando num novo mangá chamado “Kanazawa Shutter Girl”. O autor afirma que pretende seguir o modelo do mangá anterior, que foi transformado em filme live-action para cinema. Na história, estudantes de um colégio feminino de Tóquio, que fazem parte do grupo de fotografia, saem às ruas carregando antigas câmeras com filmes para fotografar e falar com as pessoas.

Para iniciar o trabalho, Kiriki esteve em Kanazawa, com o diretor de fotografia Motoyuki Kobayashi e algumas modelos vestidas como colegiais, e fotografou vários locais históricos da cidade para escolher as cenas. Veja o trailer do filme live-action “Tokyo Shutter Girl”. São três diretores e cada um dirigiu um trecho. Esse trecho é o de Makoto Tezuka, filho do Deus do Mangá.