:: QUIMONO
MODERNO: O LADO FASHION DO ESTILO TRADICIONAL O
que é um quimono moderno? “Quimono
moderno” é o kimono que não é um kimono
histórico ou uma antiguidade têxtil.
Significa que não é uma reprodução de algum
kimono de época e nem uma peça de
museu. Quimono moderno são os quimonos de uso cerimonial,
festivo ou cotidiano
feitos na Era Choca (1926-1989) – os desta época também
são chamados de “quimonos
vintage” – e na Era Heisei (1989 até hoje). Muita
gente acha que pelo fato do Japão ter se tornado uma
nação industrializada e
moderna, o quimono deixou de ser usado e virou um mero traje
folclórico. Achar
isso é um equívoco. O traje folclórico é
uma roupa que foi bastante usada num
passado relativamente recente e que chegou a ser sinônimo de um
povo, mas que
deixou de ser usado e de evoluir. O kimono ainda faz parte do senso de
moda no
Japão, e continua evoluindo à medida que gostos e estilos
de vida estão se
transformando no Japão moderno, portanto não pode ser
considerado um traje em
desuso ou meramente folclórico. A prova disto é que
revistas de moda japonesas,
ainda que destaquem estilos ocidentalizados, publicam com
freqüência fotos e
artigos sobre o uso atual de quimonos. Quem
no Japão de hoje usa quimono todos os dias? Quem
quiser pode usar kimono todos os dias, desde que não tenha
alguma restrição de
ordem profissional, como a obrigatoriedade de uso de um uniforme.
Infelizmente,
como boa parte das atividades profissionais civis e todas as de
caráter militar
implicam no uso de um uniforme à ocidental, isso acaba
restringindo o uso do
quimono diariamente. Em
algumas famílias abastadas e tradicionalistas, o uso
diário de quimonos em casa
ou para sair não foi abandonado. Monges e monjas budistas os
usam o tempo todo.
Duas atividades tradicionalmente praticadas por mulheres e valorizadas
na
sociedade fazem com que essas profissionais usem quimonos
cotidianamente: as
gueixas e as hoteleiras, mais especificamente as proprietárias
de ryõkans
(hospedarias tradicionais) e spas de luxo. Outra profissão,
não muito
tradicional nem tão requintada quanto a das gueixas e a das
hoteleiras, mas na
qual se usa o quimono com certa freqüência, é a das mama-sans
(senhoras
que gerenciam bares). O
tipo de quimono mais usado dentro e fora do Japão é o happi.
Versão
popular do haori, o happi é um quimono curto com
mangas estreitas
usado como jaqueta ou avental desde a Era Edo (1600-1867), no qual se
imprimiam
símbolos que indicavam a profissão de quem o vestia ou
nome do estabelecimento
comercial para o qual a pessoa trabalhava. Hoje é usado
diariamente e
principalmente por pessoas que trabalham com comida, como os sushimen e
sushichefs. Quanto
custa um quimono? Isso
varia muito. Um kimono de seda básico completo -
incluindo a roupa de baixo e acessórios
obrigatórios, num total
de 12 peças – não sai por menos de 2 mil dólares.
Isso é aplicável a um modelo
de uso cotidiano. Um quimono mais fashion, com estampas
modernas ou
geométricas, 3 mil dólares. Quimonos cerimoniais ou de
padrão tradicional em
geral variam de 5 mil a 10 mil dólares, mas não é
raro custarem até mais. Uma
das razões para um quimono custar tanto é o grau de
trabalho artesanal que seu
feitio e decoração demandam. Os quimonos de seda
são inteiramente feitos à mão
e não são feitos dois iguais. Cada um torna-se uma
pintura, uma obra de arte
única. O
tecido para quimono é vendido em rolos chamados tanmono.
Cada tanmono
tem a quantidade exata de tecido para se fazer um quimono: 13,5 metros
de
comprimento. Mas a largura do tanmono varia: 38
centímetros se for um tanmono
para quimono feminino, e 40 centímetros se for um tanmono
para quimono
masculino. O que é curioso – até engenhoso – no tanmono
é que as
estampas estão feitas em pontos estratégicos do tecido,
de modo que os desenhos
se juntam ou ficam em locais previamente calculados para quando o
quimono for
montado na forma final. Essa característica do tecido faz com
que seja
necessária uma certa habilidade – as “manhas” – para se fazer um
quimono, pois
não há margem de erro. Não se pode
desperdiçar nenhum centímetro do tanmono,
e se algo for feito de errado durante o corte e a montagem do quimono,
a
estampa deslocada denunciará a falha. Custo
é uma das razões para o quimono ser uma presença
no guarda-roupa dos japoneses
ricos e que querem reconhecimento como elegantes e cultos. Se a pessoa
for mais
tradicionalista, ela ou ele irá procurar as cores típicas
de cada estação e
estampas correspondentes. Se for mais moderna, ela ou ele não
irá se incomodar
com o código de cores, procurará estampas com as quais se
identifique e usará o obijime (cordão de
acabamento usado sobre o obi)
com nós
diferentes ou na diagonal. Não é por acaso que as
celebridades e membros do showbiz
nipônico não dispensam o quimono. Por outro lado, custo
também é uma das razões
para seu uso restrito nos dias de hoje. Sai caro usar quimono todos os
dias,
pois há também o custo de limpeza e
manutenção. Excetuando os de algodão, que
podem ser lavados com água – embora isso desgaste o tecido mais
rápido do que a
lavagem a seco - os de seda são muito frágeis e
não podem ser lavados a seco do
mesmo modo que ternos e vestidos. É preciso levar a
serviços especializados,
que sabem desmontar todo o quimono, limpar o tecido adequadamente, e
recosturá-lo. É
complicado vestir um quimono? Para
quem não tem as “manhas”, é. Uma das
características do quimono é seu corte
reto e amplo, feito propositalmente para ajustar-se ao corpo de quem o
veste e
que, por isso, permite que o mesmo quimono possa ser usado por pessoas
de
diferentes tamanhos (dizem que Yohji Yamamoto inspirou-se nessa
característica
do quimono para criar o conceito do one size fits all para
roupas
ocidentais). Entre os japoneses quimonos e obis integram
heranças - as
melhores peças passam de geração a
geração, como jóias de entes queridos que se
foram. Para o quimono ser ajustado ao corpo compensa-se a simplicidade
do corte
com uma técnica de amarras e dobras artísticas, e
acessórios de fixação e
sustentação dos tecidos. Usar um quimono exige know-how
e etiqueta - a
técnica de vestir quimonos é chamada de okitsuke.
Mas este é um
conhecimento que nem sempre os mais jovens preocupam-se em adquirir, e
infelizmente fortunas em seda e brocados têm sido negligenciadas. Existe
um aspecto que ocidentais em geral têm muita dificuldade para
entender em se
tratando de quimonos. Para os japoneses, o quimono é mais que
uma roupa: é
estilo de vida e religião. Um quimono não é algo a
ser descartado na próxima
estação, depois de alguns usos. O quimono está
ligado à religião xintoísta e
aos fundamentos da filosofia e da cultura japonesa, de forma que vestir
um quimono
sem praticar a etiqueta correta chega a ser ofensivo aos japoneses.
Assim, não
basta ter dinheiro para comprar um quimono e saber como vesti-lo –
é necessário
aprender como se portar usando um quimono. Para isso existem cursos e
livros
especializados em okitsuke. Os verdadeiros praticantes de
Cerimônia do
Chá também aprendem okitsuke, pois uma coisa
está ligada à outra. Nos
cursos de okitsuke a pessoa aprende não apenas a vestir
adequadamente o quimono,
mas também a usar o quimono nas mais variadas
situações (andar, sentar-se,
comer, servir, etc.), a pentear-se, maquiar-se e a fazer a
manutenção do quimono
(dobrar e guardar corretamente a peça, pequenas limpezas, etc.).
Se
por um lado custo e conhecimento dão ao quimono uma aura de
roupa elitista,
estilistas e lojas especializadas no Japão estão
procurando difundir cada vez
mais o conceito do fashion kimono – quimonos
semi-industrializados, em
tecidos mistos, com cores e estampas modernas, que sejam mais
acessíveis ao
bolso e ao gosto de uma clientela jovem com estilos de vida urbanos.
São quimonos
de uso diário, que precisam ser confortáveis,
fáceis de vestir, mas que
mantenham o ar de elegância tradicional. Para isso novidades como
obis
de nó pronto em tecidos que não deformam e que podem, por
exemplo, ser usados
por quem guia um carro, fazem parte de uma série de
inovações que visam fazer
com que o kimono continue em uso. Existe
quimono de grife? Alguns
estilistas que já fazem sucesso com moda ocidentalizada produzem
acessórios
para quimono com suas assinaturas, para comercialização
exclusiva no Japão. Mas
ter um Jotaro Saito é um sonho de consumo para as mulheres que
curtem um luxury
fashion kimono. Desconhecido
no exterior mas famoso no Japão, o estilista Jotaro Saito vem
dando new glam
ao estilo tradicional, lançando luxuosas coleções
de quimonos com toques de
modernidade nas edições da Japan Fashion Week. Existe
no Japão algum preconceito em relação às
roupas ocidentais? Hoje,
não. Mas tem gente que ainda acredita nessa idéia de
conflito entre o ocidental
e o oriental na moda do Japão porque houve tempos em que isso de
fato ocorreu -
mais especificamente na Era Meiji (1868-1912). A origem dessa
discussão foi um
conflito político e ideológico que dividiu o país
e causou uma guerra civil. No
século XIX as potências ocidentais industrializadas
implantaram uma corrida
colonialista na África e na Ásia, e o Japão da
época era uma nação isolada do
mundo, com uma sociedade feudal e economia agrária, dominada
pelos xóguns da
família Tokugawa. Em 1853 uma frota de navios americanos chegou
à baía de
Tóquio e exigiu a tiros de canhões que o Japão
abrisse seus portos. Pouco tempo
depois, os Estados Unidos conseguiram do xógum tratados
comerciais extremamente
favoráveis aos interesses americanos. A conseqüência
disso foi que em seguida
outras nações européias conseguiram dos japoneses
tratados similares, que em
poucos anos causaram uma grave crise econômica e política
no Japão. Essa
situação de coisas causou uma guerra civil no
Japão em 1867, tendo de um lado
os que defendiam a expulsão dos estrangeiros e o endurecimento
do sistema
xogunal, e do outro os que defendiam a devolução do poder
ao Imperador e a
industrialização do país em moldes ocidentais.
Essa guerra terminou com a
vitória dos que defendiam o Imperador, o que por tabela
significou a extinção
do sistema samurai, e a ocidentalização e
industrialização do Japão. Só
que o fim dessa guerra por si não bastou para que o conflito
político-ideológico
também acabasse, e nos anos subseqüentes o Japão
continuou dividido entre
tradicionalistas e ocidentalizados. O filme “O Último Samurai”
retrata esse
período no Japão pois, à exceção do
personagem do Tom Cruise, todo o resto do
filme foi baseado em fatos históricos. Essa
situação fez com que durante cem
anos o debate entre tradição e
ocidentalização tivesse defensores extremados de
ambos os lados. No século XX, o caso mais famoso que encarnou
esse conflito de
valores foi o do escritor Yukio Mishima, que em 1970 cometeu haraquiri
na sede
das Forças de Defesa do Japão em protesto contra o
excesso de ocidentalização
do país. A
necessidade de industrializar-se rapidamente na Era Meiji fez com que o
Japão
passasse por um período de transformações radicais
e intensas, inigualável até
hoje em toda sua história. Em 1871 o governo japonês
enviou uma missão
diplomática chamada Missão Iwakura, que viajou por 3 anos
pelos Estados Unidos,
Alemanha, França e Inglaterra para estudar a
civilização ocidental, e que trouxe
informações que mudaram as instituições, a
economia e até o estilo de vida no
Japão em moldes ocidentalizados. Moda e etiqueta ocidental
fizeram parte do
pacote. Cartilhas sobre vestuário ocidental foram desenhadas e
publicadas, para
que a população pudesse aprender a usar roupas
européias. A
industrialização rápida e a passos largos fez com
que uma classe de emergentes
surgisse, formada por comerciantes, industriais e banqueiros. Chamados
de narikins
(novos-ricos), eles seguiam à risca a cartilha da
ocidentalização promovida
pelo governo Meiji: as mulheres vestiam-se na última moda de
Paris, com
vestidos drapeados, espartilhos e anquinhas, e os homens usavam fraques
pretos
e cartolas na última tendência de Londres. Nova elite do
país, os narikins
desprezavam tudo que remetia aos “velhos tempos”, inclusive os
quimonos. Mas a
aristocracia e membros do old money nipônico viam os narikins
como a platéia vê o personagem principal de “O
Burguês Fidalgo” de Molière, e
embora as roupas ocidentais fossem caras, o visual europeizado
tornou-se
sinônimo de gente rica mas nem sempre culta ou educada – algo
importante num
país onde ainda hoje etiqueta rege todas as
relações humanas. Foi
assim que no século XIX criou-se a expressão wafuku
para designar roupas
de características japonesas e yõfuku para
designar roupas ocidentais, e
uma estranha relação de amor e ódio pelas roupas
ocidentais teve início no
Japão. Amor porque as roupas ocidentais, por um lado, inspiravam
a riqueza e o
glamour de um mundo que era desconhecido pelos japoneses. Ao mesmo
tempo, por
outro lado, havia ódio pois a roupa ocidental era um
símbolo da invasão
estrangeira e de seu menosprezo pelas tradições japonesas. Essa
dicotomia na moda japonesa teve períodos de maior e menor
intensidade ao longo
do século XX, mas a resistência às roupas
ocidentais praticamente não existe
mais. Atualmente a dicotomia deu lugar a um consumo apaixonado por
marcas, que
deu aos japoneses a fama de ávidos compradores de grifes e
acessórios de luxo.
E se durante décadas os japoneses copiaram modelos e
tendências do eixo
Paris-Londres-Nova York, atualmente a moda ocidental recebe muita
influência
das passarelas e das ruas japonesas. Ao invés de ocidente versus
oriente, o que
vemos hoje é que a moda no Japão propõe uma
inventiva e surpreendente mistura
de ambos os mundos. Existe
diferença nas roupas ocidentais feitas para o mercado
japonês? O
mercado japonês para roupas ocidentalizadas tem algumas
particularidades. A
modelagem no Japão é um pouco diferente da
européia e da americana, devido a
características físicas da população e a
gostos locais. Para os homens, a roupa
ocidental é sinônimo de praticidade, e para as mulheres
além de praticidade
existe o yume (sonho), seja de consumo ou de romantismo, que o
ocidente
lhes inspira. Homens e mulheres no Japão preferem bolsas
pequenas ou médias (no
Japão os homens são grandes consumidores de bolsas, e
usam cores tidas como
exclusivamente femininas no ocidente, como os tons claros de rosa e
pêssego,
são consideradas unissex no Japão). Para agradar as
japonesas, estilistas
ocidentais procuram introduzir detalhes delicados, tons pastéis,
estampas
florais e laços em roupas e acessórios, mesmo quando o
romantismo adocicado não
é a tendência na Europa e nos Estados Unidos.
Outros artigos
sobre moda japonesa: Grifes Japonesas -
estilistas famosos Cristiane
A. Sato, formada em direito pela Universidade de São Paulo,
pesquisadora de mangá e animê, presidente da ABRADEMI –
Associação Brasileira de Desenhistas de Mangá e
Ilustrações, colaboradora de publicações
sobre cultura popular japonesa, mangá e animê desde 1996.
Palestrante convidada em eventos diversos no Centro Cultural
Itaú, Sesi, Sesc, FAU-USP, Fundação Japão,
Embaixada, Consulado Geral do Japão, etc.
É autora do livro Japop - O Poder da Cultura Pop Japonesa (2007). AO USAR
INFORMAÇÕES DESTE SITE, NÃO DEIXE DE MENCIONAR A
FONTE www.culturajaponesa.com.br
– autora: Cristiane A. Sato LEMBRE-SE:
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A FONTE, VOCÊ ESTARÁ COLABORANDO PARA QUE MAIS E MELHORES
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